domingo, 25 de janeiro de 2015

“BRASILEIRO FUZILADO”



O texto abaixo foi publicado no Jornal virtual macaensenews.com.br (Macaé/RJ), da lavra da jornalista Regina Oliveira, no seu quadro denominado PANORAMA. Republico-o neste blog para reforçar a ideia de que nossa presidenta Dilma ou foi ingênua como uma cigarra barulhenta ao defender ferrenhamente um traficante contumaz ou sua intenção teve escopos mais profundos e duradouros. Porque imaginar, no caso dela, a possibilidade de ter agido desinformada, seria também ingenuidade ou inaceitável irracionalidade.

Brasileiro Fuzilado


Por Regina Oliveira


Publicado em 18/01/2015



O assunto de hoje nas redes sociais, roda de amigos, programas de televisão é o fuzilamento do brasileiro na Indonésia. Um brasileiro que a vida toda viveu traficando drogas pelo mundo e esbanjando o dinheiro ganho com carrões, mulheres, casas e muito luxo. Um brasileiro que nunca trabalhou na vida, não sabe o que é encarar um trem de manhã bem cedo. Um brasileiro que nunca comeu comida de marmita sentado embaixo de uma árvore. Um brasileiro que nunca trabalhou em troca de um mísero salário mínimo. Um brasileiro que nunca teve várias bocas em casa chorando de fome e sede. Um brasileiro que mesmo preso tinha suas regalias, até outros prisioneiros serviam de garçom para ele. Um brasileiro por ter família com condições financeiras bancava o melhor para ele na cadeia na Indonésia. Um brasileiro que mesmo preso vivia chapado de metanfetamina. Um brasileiro que foi o primeiro a ser fuzilado. Um brasileiro que ainda descoberto no aeroporto fugiu e se escondeu sabendo que não tinha como escapar e ainda assim maldisse o guarda que descobriu a droga. Um brasileiro que fez por onde e conseguiu um fim de vida para ficar marcado na história, ainda vai ser eternizado como o 1º traficante brasileiro a ser fuzilado. Um brasileiro debochado. Um brasileiro que relatou sua vida ao jornalista Renan Antunes de Oliveira em 2005 e segue aqui parte do texto:

Marco era um traficante tarimbado: “Nunca fiz nada na vida, exceto viver do tráfico.” Gabava-se de não ter servido ao Exército, nem pagar imposto de renda. Nunca teve talão de cheques e ironizava da única vez numa urna: “Minha mãe me pediu para votar no Fernando Collor”. A cocaína que ele levava na asa tinha sido comprada em Iquitos, no Peru, por 8 mil dólares o quilo, bancada por um traficante norte-americano, com quem dividiria os lucros se a operação tivesse dado certo: a cotação da época da mercadoria em Bali era de 3,5 milhões de dólares Marco me contou, às gargalhadas, sua “épica jornada” com a asa cheia de drogas pelos rios da Amazônia, misturado com inocentes turistas americanos. “Nenhum suspeitou”. Enfim chegou a Manaus, de onde embarcou para Jakarta: “Sair do Brasil foi moleza, nossa fiscalização era uma piada”. Na chegada, com certeza ele viu no aeroporto indonésio um enorme cartaz avisando: “Hukuman berta bagi pembana narkotik’’, a política nacional de punir severamente o narcotráfico. “Ora, em todo lugar do mundo existem leis para serem quebradas”, me disse, mostrando sua peculiar maneira de ver as coisas: “Se eu fosse respeitar leis nunca teria vivido o que vivi”. Ele desafiou o repórter: “Você não faria a mesma coisa pelos 3,5 milhões de dólares”? Para ele, o dinheiro valia o risco: “A venda em Bali iria me deixar bem de vida para sempre” – na ocasião, ele não falou em contas hospitalares penduradas. Marco parecia exagerar no número de vezes que cruzou fronteiras pelo mundo como mula de drogas: “Fiz mais de mil gols”. Com o dinheiro fácil manteve apartamentos em Bali, Hawai e Holanda, sempre abertos aos amigos: “Nunca me perguntaram de onde vinha o dinheiro pras nossas baladas”. Marco guardava na cadeia uma pasta preta com fotos de lindas mulheres, carrões e dos apartamentos luxuosos, que seriam aqueles onde ele supostamente teria vivido no auge da carreira de traficante. Num de seus giros pelo mundo ele fez um cursinho de chef na Suíça, o que foi de utilidade em Tangerang. Às vezes, cozinhava para o comandante da cadeia, em troca de regalias. Eu o vi servindo salmão, arroz à piemontesa e leite achocolatado com castanhas para sobremesa. O fornecedor dos alimentos era Dênis, um ex-preso tornado amigão, que trazia os suprimentos fresquinhos do supermercado Hypermart. A mãe dele, dona Carolina, funcionária pública estadual no Rio, se empenhou enquanto deu para livrar o ‘garotão’ da enrascada, até morrer de câncer, em 2010. As visitas dela em Tangerang eram uma festa para o staff da prisão, pra quem dava dinheiro e presentes, na tentativa de aliviar a barra para o filhão. Com este empurrão da mamãe Marco reinou em Tangerang, nos primeiros anos – até ser transferido para outras cadeias, à espera da execução. Eu o vi sendo atendido por presos pobres que lhe serviam de garçons, pedicures, faxineiros. Sua cela tinha TV, vídeo, som, ventilador, bonsais e, melhor ainda, portas abertas para um jardim onde ele mantinha peixes num laguinho. Quando ia lá, dona Carola dormia na cama do filho. Marco bebia cerveja geladinha fornecida por chefões locais que estavam noutro pavilhão. Namorava uma bonita presa conhecida por Dragão de Komodo. Como ela vinha da ala feminina, os dois usavam a sala do comandante para se encontrar. A malandragem carioca ajudou enquanto ele teve dinheiro. Ele fazia sua parte esbanjando bom humor. Por todos os relatos de diplomatas, familiares e jornalistas que o viram na cadeia de tempos em tempos, Marco, apelidado Curumim em Ipanema, sempre se mostrou para cima. E mantinha a forma malhando muito. Para ele, a balada era permanente. Nos últimos anos teve várias mordomias, como celular e até acesso à internet, onde postou algumas cenas. Um clip dele circulou nos últimos dias – sempre sereno, dizendo-se arrependido, pedindo a segunda chance: “Acho que não mereço ser fuzilado”. Um brasileiro...

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