(Texto da lei no final)
MEU COMENTÁRIO
Bom momento para consignar um rápido evento ocorrido comigo na
principal rua de uma bucólica cidade do interior. Esta rua é bastante
movimentada nas calçadas. O povo simples circula em intenso vaivém, e quando
alguém faz menção de atravessar para o outro lado da rua os carros
imediatamente param. Enfim, há a total e absoluta descontração, são raríssimos
os eventos criminosos, a calmaria define a permanente situação de normalidade.
Gosto de passar pelas calçadas desta rua. Entretanto, a minha paz
particular foi interrompida exatamente por uma guarnição de PMs. Curioso é que o fato, para eles imperceptível,
para mim foi gerador de espanto. Porque o PM sentado ao lado do motorista da
guarnição portava um fuzil com a coronha a seus pés e o cano para fora da janela, em
perigosa diagonal que ao cruzar por mim me pareceu apontado para a minha cabeça.
Fiquei então, além de irritado, imaginando quantas pessoas levaram o mesmo
susto ou nem perceberam. Mais ainda especulei sobre a desnecessidade do
porte de fuzis por guarnições interioranas, em locais onde raramente há
confrontos com marginais portando iguais armas de poderoso efeito letal.
Não tive dúvidas em concluir que o PM não sabia nem carregar o fuzil no
interior da viatura, quanto mais utilizá-lo com técnica em remotíssimo confronto.
A arma nas mãos dele mais parecia uma vassoura, tal o desleixo com que a
portava, ou seja, apontada ameaçadoramente para os transeuntes. Em singela
distração...
Pensei parar a guarnição para repreender o PM. Contudo, como a
hierarquia e a disciplina na PMERJ andam em máxima frouxidão, achei melhor não
perder meu dia nem piorar ainda mais minha debilitada saúde. Até porque a culpa maior é de
quem permite que PMs portem fuzis em locais pacíficos, interioranos, sob o
pressuposto de que um dia qualquer ele poderá ser necessário. Ora, se o PM mal sabe
manusear arma curta, chega a ser piada concebê-lo especialista em fuzil.
Falo tudo isto com a legitimidade de ter comandado batalhão em área de
extremo risco (nono batalhão, em Rocha Miranda), em quartel com estande de tiro,
e anotando a média de um tiroteio por dia (confronto com traficantes). Naquela
época, as armas eram revólveres calibre 38, metralhadoras calibre 9mm e
escopetas calibre 12.
Como fui por muito tempo instrutor de tiro e de comando
no antigo RJ, a primeira providência minha foi a de pôr o estande em
funcionamento, testando cada comandado (oficiais, graduados e praças) da linha
de frente. Um a um, eles se foram enfileirando diante de mim, dia após dia, até
que todos atirassem em alvos fixos a uma distância de 15 metros. Mas no início...
Que fiasco!... Ninguém sequer acertava o alvo, quanto mais o “5X”, que fica na
direção do coração, o ponto máximo, a nota dez do atirador. Se acertar nas
extremidades do alvo, onde ficam os braços, a nota cai para dois. Um absurdo
este alvo. É preciso mudar os conceitos do tiro (defensivo e ofensivo) rasgando
todos esses alvos. Pois o policial é treinado para acertar o coração...
Se os PMs eram péssimos em tiro num ambiente em que efetivamente
arriscavam suas vidas, imaginem no interior e numa cidade que lida, no máximo,
com briga de marido e mulher, algum furto de bicicleta geralmente perpetrado
por menor viciado em droga, e um discreto tráfico levado a efeito por bandidos
sem ostentação nem mesmo de garrucha?...
Muito bem, depois de muito treinar a
tropa, garanto que as coisas mudaram, os PMs iam às ruas mais confiantes e ligados
a detalhes que simplesmente desconheciam. Como, por exemplo, sempre observar as
mãos dos suspeitos, pois todo o perigo reside nelas, sendo desnecessário
explicar algo além deste detalhe.
Ora, quem poderá garantir com absoluta certeza que os PMs que patrulham
as ruas e logradouros do RJ sabem atirar com a precisão devida? Quem garante
que eles ainda saibam montar e desmontar suas armas? Quantos ainda dependem do
armeiro de suas unidades até para cuidar de suas armas particulares?...
Toda esta digressão é para focar a recente Lei Federal nº 13.060, de 22
de dezembro de 2014, que já ingressou nas redes sociais como “monstruosidade” a
favor de bandidos e contra policiais. Não vejo assim, muito em contrário, creio
que a lei chega em boa hora para alterar esta cultura da “guerra ao crime” cujo
extremo está no exemplo que eu mesmo vivenciei na semana em que a lei foi
sancionada.
Creio que o primeiro impacto da lei será o de os organismos policiais
avaliarem as reais circunstâncias em que os fuzis são absolutamente necessários.
Também urge a revisão dessas improvisadas blitze que já causaram a morte de
muitos inocentes, incluindo crianças. A estrutura das blitze precisa ser
urgentemente revista, em especial quanto à seletividade do uso da força como
hipótese primeira. Porque sempre vejo poucos PMs, mal postados no terreno, sem
segurança, parando aleatoriamente os carros de cidadãos livres, sem
qualquer pressuposto além do “faro”, algo injustificável ante os princípios
basilares do Poder de Polícia que informam o Ato de Polícia. Está tudo uma
bagunça, tanto na capital como no interior!
Com a lei, é certo que as falhas decorrentes do seu descumprimento
serão imperdoáveis, o que obrigará às instituições policiais a revisão da atual
cultura que prioriza blitze a cercear o direito de ir e vir dos cidadãos. É
hora então de apagar da cartilha operacional a banalização do uso do fuzil, que
se deve restringir às operações especiais e aos atiradores de escol em
situações extremas de repressão a criminosos perigosos. Usar fuzil como arma em
virtude de hipóteses remotas deve ser simplesmente proibido, em desdobramento
da lei federal em comento.
Que cada policial seja hábil no tiro de arma curta, sim! Que seja obrigado a
treinar toda semana, com acompanhamento por instrutor de tiro em suas unidades!
Em assim sendo, os próprios policiais readquirirão a perdida confiança em sua
arma curta, esta que é suficiente para a sua defesa e para uso em ações repressivas, que não são a regra, mas a exceção, principalmente no interior.
Não falo aqui de arma não letal, que tem enorme utilidade em
determinadas situações e em lugares onde até seria suficiente. Falo de arma
curta (pistola, revólver, escopeta), nas mãos de policiais exaustivamente treinados
durante toda a sua carreira e não apenas nos cursos de formação e
aperfeiçoamento.
Por sinal, quando cursei o CSP vi colegas comandantes de
unidades operacionais fechando os dois olhos ao apontarem a arma para um alvo
distante 15 metros, em estande de quartel. Se um tenente-coronel, audaz, sem
dúvida, tido como “operacional”, trancava as pálpebras na hora de atirar num
alvo, em local seguro, imaginem os demais oficiais, graduados e praças nas ruas?...
Vi também outro colega mirar e atirar nas nuvens, em vez de mirar e atirar no
alvo...
4 comentários:
Excelente e corajoso artigo.
Se tais procedimentos fossem incorporados a rotina, teriamos muito menos problemas...
Para o PM nada mudou. O que der errado vai na conta do praça mesmo.
Emir disse:
Mudou sim. Agora está bem mais rigoroso o tema e o PM deve estar atento à lei para não se enrascar ainda mais. Um tiro sem necessidade, mesmo sem acartar alvo, pode custar o emprego. Uma reação desproporcional pode resultar em punição judicial. Daí é que todo cuidado é pouco...
Meu chefe,há tempos atrás um PM foi parar no BEP por ter atirado pro alto numa ocorrência de tumulto generaliza-
do.Isso antes dessa lei.Nada mudou mesmo.Sempre será no praça com lei ou sem lei. Mais uma lei.Um país cheio de leis mas ninguém cumpra nada. Só recai no pequeno. Isso é brazuca.
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