Nesta semana
protagonizei um incidente que me fez lembrar Sócrates estacado no meio duma
batalha, pensando, e pensando, e pensando... Sem tomar conhecimento dos perigos
que o rodeavam. No fim de contas, filosofar era-lhe simplesmente vital, e ele ignorava
a guerra para pensar... Enfim, mantinha-se em total desligamento da Terra, indo
situar-se no “mundo da Lua”. Creio que
todo artista é assim...
Trazendo o
insólito comportamento socrático para o presente, e casualmente me pondo como
ele, em desligamento da Terra, não é que paguei um baita mico numa cidade
próxima de onde resido?... Sim, saí com minha esposa para cada qual exercitar
atividades voltadas à saúde. Fui de carona no carro dela, um Ford Fiesta branco
como a neve; deixei meu carro em casa, um Hyundai HB 20 vermelho como o sangue.
Fomos,
chegamos, estacionamos no centro da cidade e combinamos nos encontrar
exatamente onde ela parqueara o carro. Até aí, tudo bem, nenhuma dúvida, segui à
fisioterapia para amenizar minha insuficiência respiratória, tratamento que
faço duas vezes por semana. Ela se dirigiu à fonoaudióloga para cuidar do
assunto dela, e o carro é nossa testemunha: como estaca fincada ao chão estava,
e estacado ficou a nos aguardar, na verdade em frente do shopping onde funciona
o consultório do fisioterapeuta. Ou seja, bem pertinho de mim...
Uma hora
depois, saindo do shopping, espantei-me: “Cadê o carro!” Intrigado, e já com um
vazio no espírito, daquele quando alguém busca olhar seu carro e vê somente a
vaga, entrei numa loja em frente e indaguei das lojistas se houvera algum
reboque atuando naquele pedaço de rua. Elas foram unânimes em me assegurar que
não. Concluí então, e singelamente comentei com elas, que meu carro fora
furtado, despertando a atenção de mais um lojista, que logo se acercou do pequeno
grupo que se foi aglutinando de curiosos e tomando ares de multidão...
Pronto!
Confusão armada! Em cidade pequena o furto de um carro não se restringe ao fato
em si, torna-se acontecimento público. Daí é que pessoas agitadas logo formaram
plateia a emitir opiniões várias e apressadas. Comentavam sobre episódios
semelhantes no supermercado próximo, criticavam políticos, execravam a polícia,
metiam o pau na Dilma, arrependiam-se publicamente do seu voto nela, clamavam
por um novo golpe militar, enfim, uma celeuma dos diabos, tudo em função do
inusitado furto.
A principal
sugestão da plateia, porém, era a de sempre: pedir ajuda à polícia. Mas eu, ainda
atônito, ponderei dizendo que o carro era coberto por seguro e que minha maior
preocupação era com o fato de as chaves da casa terem partido junto com os
ladrões. Isto sim era problema, pois havia como os ladrões saberem meu endereço
residencial. Ademais, minha esposa e eu ficaríamos do lado de fora, dependendo
de chaveiros etc.
Expliquei à
plateia que eu era policial e que cuidaria do furto depois que me entendesse
com minha esposa, esta que, até então, de nada sabia. Liguei para ela,
comuniquei-lhe o fato e a fiquei aguardando para ir então à polícia somar o
aborrecimento do furto ao outro de preencher irritantes papeladas. Quem já
passou por isso sabe...
Terminado o telefonema,
permaneci rodeado das pessoas olhando-me como animal raro, até que avistei
minha esposa, que vinha em quase disparada e desesperado pranto. Afinal, não
era meu carro o alvo do furto, mas o dela, o Ford Fiesta branco como a neve.
Mas ela, em chegando, chorando tanto que suas lágrimas molhavam torrencialmente
a calçada, olhou para mim e me deu a espantosa notícia: “Amor, o carro está aí,
no mesmo lugar! Não está vendo?”
Sim, lá
estava ele, o Fiesta branco como a neve, provando que meu Hyundai, vermelho
como o sangue, não viera conosco. Hum... Um terrível engano meu, fruto de
imperdoável distração, e assim me dizia o Fiesta, motor 1.0, de câmbio manual,
rindo de mim com seus faróis enviesados, um apagado e outro aceso. Sim, sim, o Fiesta
me lembrava em invejosa mangação que meu Hyundai vermelho como o sangue, motor
1.6, automático, nem saíra da garagem, repousava em superioridade...
Ah, o meu
mundo terreno girou feito redemoinho! Caí na real e me dei conta do monumental fiasco.
A verdade é que até então eu não estava ali, na rua terrena, mas vagueava pelo
mundo da Lua... E me esquecera do sutil detalhe: meu Hyundai vermelho como o
sangue não fora furtado, nada. Nem o carro dela, nada. Que vexame! “Coitadinho
do velho”, eu podia ler no pensamento da plateia concluindo com razão estar
diante de um lunático. Sem falar na inevitável cara de reprovação da minha
esposa, que levara um susto danado!...
Como não sou
de perder de zero, no dia seguinte muni-me de alguns exemplares do meu novo
romance (Fogo Urbano), disponível para venda no site da editora (www.altadena.loja2.com.br), não
custa lembrar aos amigos, e tornei ao local do fiasco. Entrei na loja,
expliquei às lojistas o porquê desta minha característica alienada, comum a
todo artista, presenteei-as com os exemplares autografados, agradeci o carinho
com que trataram a minha esposa, penitenciei-me como pude e fui embora fingindo
graça onde não havia graça alguma.
Elas
aparentemente me perdoaram a distração. Será?... Muito bem, assim espero!...
Agora só me
cabe observar se realmente as convenci que agi como o filósofo ou se venho
gradativamente me abraçando ao “alemão” sem o perceber. Porque é certo que ali ainda
estacionarei meu carro vermelho ou o carro branco de minha esposa, e sei que
duas coisas não me serão agradáveis: eu ter meu carro efetivamente furtado, ou
novamente viajar na maionese e reclamar outro furto inexistente. Neste segundo
caso, não mais me caberão desculpas, é direto ao manicômio e fim desta história
que, na verdade, é comum a muitos nefelibatas, como eu, que muitas vezes são
tidos como dementes...
2 comentários:
Boa tarde Cel Larangeira.
Nesse exato momento estou dando gargalhadas em frente ao computador e minha esposa me olhando perplexa achando que estou ficando louco.
Certa vez, faz uns três anos, um vizinho foi ao Rio no seu carro e voltou de ônibus. Ao chegar em casa sua esposa perguntou.-Pierre cadê o carro? -Xiiii Regina, esqueci no estacionamento da Rodoviária Novo Rio. E voltou ao Rio (+- 200 km)no mesmo dia para buscar seu carro que por coincdência era um Fiesta branco. Coisa da vida!
Feliz Natal a todos!!!
Emir disse:
Feliz Natal, amigo!
Postar um comentário