sábado, 5 de outubro de 2013

As UPPs e seus problemas


 

“A pressa é inimiga da perfeição.” (dito popular)

Os problemas eram esperados?... Em minha humilde opinião, sim!

Lembro a conquista de território dominado pelo tráfico e a instalação da primeira UPP no Morro Santa Marta, Botafogo, Zona Sul do Rio, em 19 de dezembro de 2008. Na época, não vislumbrei qual fora o critério da escolha e cheguei a atribuí-la à visita do cantor Michel Jackson (http://www.upprj.com/index.php/informacao/informacao-selecionado/ficha-tecnica-upp-santa-marta/Santa%20Marta). Ou seja, concluí pelo nenhum critério, ou talvez fosse um “laboratório” do que entendemos como “polícia de proximidade” ou “integração comunitária”, nada mais que conceitos acadêmicos vazios de prova científica.

Decisão válida?... Bem, não sei. Sei apenas que a UPP representa uma inovação na tradicional (ou anacrônica) cultura operacional da PMERJ, que se resume a uma espécie de “relógio de parede” com seus ponteiros girando regularmente. São áreas, subáreas, setores, subsetores, roteiros e pontos-base. Nas quatro primeiras condições, temos o relógio na parede; nas duas últimas, temos os ponteiros girando e eventualmente parando para renovar energias. A quebra dessa rotina está na ligação do telefone 190 indicando ter havido alguma ocorrência a ser atendida em mera reação; ou, ainda, quebra esta rotina a ação direta do patrulhamento em vista de flagrante delito de crime ou contravenção comunicado às guarnições pelas Centrais de Comunicação, ou, contrariamente, o fato é diretamente avistado pelas guarnições ou informado por algum transeunte, situações últimas em que a comunicação é da viatura operacional para a Central de Comunicação. Enfim, e seja assim ou assado lá está o “relógio de parede” se tornando eventualmente “relógio de pulso”...

Ora, a UPP não é modelo tão inovador. Assemelha-se aos Destacamentos de Policiamento Ostensivo (DPO), estes que se caracterizam por certa independência operacional (não a funcional, pois se subordinam a algum batalhão e cobrem determinados setores distantes das sedes de subárea ou de área). São instalados em locais isolados (notadamente rurais), mantendo mínima comunicação com as Centrais de Comunicação, a não ser em eventos extremos e carentes de reforço. De resto, os PMs se entendem diretamente com as Delegacias Policiais de suas circunscrições, tais como fazem as UPPs, que, porém, diferem da outra modalidade urbana de policiamento fixo (Posto de Policiamento Comunitário - PPC), este que se reporta com regularidade às respectivas Centrais de Comunicação da corporação como se fosse radiopatrulha em movimento ou parada em ponto-base.

As UPPs têm um pouco de cada estrutura destas duas sublinhadas (DPO e PPC), o que lhes garante pouca inovação, a não ser pelo fato de terem sido instaladas em favelas antes dominadas por bandos de traficantes com material bélico muitas vezes superior ao do Estado. Essas cidadelas medievais reeditadas na atualidade pelo tráfico desde muito necessitava de resposta mais efetiva por parte do Estado. E a resposta não se poderia resumir ao “kit imprensa” de sempre, ou seja, a incursões inopinadas de voluntariosas e até temerárias guarnições que se arriscavam e ainda se arriscam a troco de nada, pois é certo que o insistente modelo repressivo (violento na sua essência) jamais venceu ou vencerá o poderoso tráfico. Sim, a inovação não eliminou a tradição operacional de incursões geralmente violentas nas demais favelas sem UPP (centenas delas espalhadas pelo RJ).

Por outro lado, as UPPs se vêm proliferando por meio de impressionante oba-oba midiático, tornando-se referência para a mui afagada supracitada teoria acadêmica conhecida como “polícia de proximidade”, invenção de sociólogos e antropólogos e objeto de muitas pesquisas vazias aqui e mundo afora. Ou seja, houve o “eureca”, puseram de pé o “ovo de Colombo”, mas, se atentarmos miudamente para as UPPs no contexto do emprego operacional da PMERJ, e se concluirmos que as UPPs são válidas onde estão, não podemos deixar de considerar que elas representam o inverso da lógica operacional da corporação: concentra efetivos em vez de pulverizá-lo maximamente no ambiente.

Ora bem, cá estou em digressão pensando no episódio do favelado da Rocinha que sumiu do mundo como bolha de sabão a partir da ação de muitos PMs da UPP instalada num dos maiores complexos favelados do Brasil, homizio de facção criminosa (TC) desafeta do CV. Uma parte da história é inegável, o fato é claro, Amarildo foi posto numa viatura da PMERJ à vista de todos e de câmeras que captaram as imagens. Daí em diante, e curiosamente, todas as câmeras no entorno da UPP se apresentaram inoperantes... Foi, porém, a Rocinha que viu um PM emboscado e assassinado por traficantes supostamente expulsos da localidade... Teria o grave fato relação com o sumiço de Amarildo?... Teria predominado o espírito de vingança em detrimento da utópica “polícia de proximidade” que o Estado tenta salvar trocando todos os PMs envolvidos na história, incluindo o Major comandante da UPP?...

Ah, o Estado tenta salvar a pátria” pondo no comando da UPP-Rocinha a Major Priscila, tornada heroína internacional a partir do seu belo trabalho no Morro Santa Marta (tomara que não seja a próxima vítima!), sendo certo que não há como comparar este ambiente favelado com aquele outro. Mas a verdade é que o Estado tenta salvar um “ícone da pacificação” (Rocinha) só comparável ao outro “ícone de pacificação” (Complexo do Alemão), lugares ambos em que PMs de UPP foram emboscados e mortos a tiros por traficantes supostamente expulsos por meio de incursão policial de grande envergadura, incluindo a participação direta das Forças Armadas

Como se vê, o Estado, sistema maior e poderoso, vê-se obrigado a “fazer uma faxina” em vista do caso Amarildo, trancafiando um montão de PM já escudado numa “certeza absoluta” de que os fatos ocorreram como descritos e anunciados em estardalhaço pela grande mídia. E esta, além de detestar PMs, tem no Ministério Público um escudo para suas ilações a serem tornadas verdades além do que efetivamente se sabe e que se resume ao fato de que Amarildo foi posto dentro de viatura da PMERJ, levado supostamente para a sede da UPP e em fade desapareceu... Ah!, inegável “batom na cueca”, o que não significa, porém, que o desfecho corresponda à conclusão dos investigadores da Polícia Civil e à decisão ministerial de considerar o assunto encerrado nos moldes da denúncia propalada em estardalhaço. Tudo para salvar o Estado e suas UPPs, ficando no ar a indagação: “Onde está Amarildo?”. A resposta ainda não se sabe, mas é ela que finalmente apontará a verdade substancial indispensável ao devido processo legal, direito que anda mais atropelado hoje que na época da ditadura.

3 comentários:

Luiz Monnerat disse...

Larangeira,
teu texto é uma digressão histórica bastante fiel ao que aconteceu com esse factóide lançado pelo governo Cabral, denominado UPP, o qual não tem a mínima condição de sobreviver por muito tempo por absurdo que carrega em sua concepção. A receita do bolo sempre foi simplista, assim: temos cinco marginais ali, então colocamos cinco, seis ou dez PMs lá para cuidar daquele espaço e daquela gente. Ah, não temos como alojar os PMs? Então, usamos contêineres. Pois, se não der certo, carregamos num caminhão! Esta receita foi coisa de político pressionado pela necessidade imediata de uma resposta e, lógico, sem consultar a PM, considerada, certamente, como incompetente para tal missão! Lógico, também, que a PM, por iniciativa dela, jamais (i)mobilizaria tal efetivo em tal missão. Pura loucura! Ainda por cima: usando PMs recrutas, sem experiência alguma, seguramente desconhecedores até dos itinerários para os quartéis onde deveriam fazer o reabastecimento das suas viaturas, pois grande parte deles estão morando no interior! Por isso é até difícil acreditar nessa história de que algum deles tenha sumido com o tal do Amarildo.
Existe alguma coisa de muito errado nessa história das UPPs e o Comando da PM deveria ser bastante incisivo no seu posicionamento se decidisse que estivesse trilhando por caminho errático, pois o conceito da instituição está em jogo!
Deste modo, concordo com o teu ótimo texto e penso que tudo isso veio como consequência dos políticos não acreditarem que a Polícia Militar tenha capacidade de planejar suas ações constitucionais. Simplesmente isso!
Um abraço,
Luiz Monnerat

Emir disse...

Caro Monnerat

Seu comentário é um oportuno complemento ao que eu quis dizer. Imagine se o episódio do Amarildo ocorresse num momento em que o comandante da UPP da Rocinha fosse exatamente a Major Priscila, tornada modelo internacional de competência na gestão do segmento de "polícia de proximidade". Estaria ela presa tal como está o seu colega que por infortúnio do Destino lá estava comandando UPP como se bandidos perigosos não houvesse, embora um desses novatos tenha sido assassinado por "inexistentes" traficantes, segundo a ótica dos mentores das UPPs, ou seja, a ótica do atual governo comprometido com os lucrativos eventos desportivos mais à frente. Está mais que óbvio que a prisão antecipada de todos os PMs, incluindo o major, é resposta apressada à mídia. Ora, por que a pressa? Simples: hoje a prisão deles é notícia no Brasil e no mundo, demais de ter sido prato feito para a nossa coirmã Polícia Civil, que, cá ente nós, é a pior inimiga da PMERJ.

Luiz Monnerat disse...

Concordo.