segunda-feira, 18 de março de 2013

A VIOLÊNCIA NO RIO DE JANEIRO – RETROSPECTO (CAPÍTULO I)

A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO RJ



Quando uma teoria científica não permite atingir os objetivos que os agentes políticos têm em mente, eles recorrem à trapaça, à fraude, à mentira, à demagogia etc. Quando esses meios falham, eles usam a violência para destruir o que não sabem ou não são capazes de controlar. (Martinez, Paulo – Política, Ciência, Vivência e Trapaça – Ed. Moderna, SP, 1992)

Os nefastos episódios de PMs e moradores de Vigário Geral brutalmente assassinados numa favela de mesma denominação situada naquele bairro, respectivamente em 28/29 ago 93 (sábado/domingo) e 30/31 ago 93 (domingo/segunda), serviram para demonstrar as várias faces da insídia do ser humano. Em nome desses hediondos crimes, outros foram e, pasmem, ainda hoje são cometidos por burocratas sectários brizolistas detentores do poder e da força do sistema situacional estatal, pessoas que se associaram numa facção de caráter estável e permanente. Como esta facção será muito citada, deve-se logo explicar seu real significado político escudado no notável historicista e cientista político Moisés I. Finley, em sua obra "Democracia Antiga e Moderna", Ed. Graw Ltda, 1988, págs. 60/1:

A facção é o maior mal e o perigo mais comum. Facção é a tradução convencional da palavra grega stasis, uma das mais extraordinárias que podem ser encontradas em qualquer língua. Sua raiz significa colocação, montagem, estatura, estação. Sua gama de significados políticos pode ser mais bem ilustrada apenas pela relação de definições dicionarizadas que pode ser encontrada: partido, partido formado com fins sediciosos, facção, sedição, discórdia, divisão, dissenção e, finalmente, um significado bem abonado que os dicionários incompreensivelmente omitem, a saber: guerra civil ou revolução.

No início, em razão do grave crime, tudo parecia fruto do pânico generalizado entre as atônitas e incompetentes autoridades públicas e seus agentes – a facção – designados para apurar a chacina de Vigário Geral, pois o assassinato dos 04 (quatro) PMs ocorrido na véspera foi imediatamente esclarecido e atribuído a traficantes homiziados na favela e comandados por Flávio Negão. Com efeito, isto era óbvio... Mas hoje, passado bom tempo, vencido o momento mais turbulento, e aprofundada a reflexão, vê-se que outras variáveis frias e calculistas, de cunho meramente político e ideológico, já estavam engendradas na cabeça daquelas autoridades públicas e seus agentes. Na verdade, tudo funcionava "por música", tendo apenas os pérfidos dirigentes e auxiliares da Polícia Civil, da Polícia Militar, do Ministério Público e do governo pedetista politicamente instalado – a facção – servido voluntariamente como instrumentos da diabólica solução para livrar o atônito caudilho de sua própria tragédia política e pessoal: a ameaça de INTERVENÇÃO FEDERAL.

A massa de manobra do poder político, formada por subservientes burocratas de carreira, – oficiais e praças da Polícia Militar e por seus iguais na Polícia Civil e no Ministério Público, – na realidade vinha motivada por diversos incentivos pessoais e profissionais amparados pela tese brizolista dos "direitos humanos", via unívoca abraçada por uma imprensa que sempre visou a implantação e a manutenção da inércia do aparelho policial, – convenientemente considerado “viciado pela ditadura”, – tudo em benefício da pujança do crime organizado, especialmente do narcotráfico e do Comando Vermelho, meio eficiente de ganhar eleições.

Floresceu novamente na PMERJ a cultura do oficial "operacional" em contraposição ao oficial "administrador", dicotômico preconceito instalado no transcurso do primeiro comando do Cel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, por sinal mui conveniente durante o primeiro período de brizolismo (1983-1986). E o que era apenas uma cultura passou a ser nesse segundo momento de poder (1991-1994) uma lógica política de retaliação: quem era "operacional" – ou "fodão" – passou a ser "bandido" e perseguido como tal pela facção. Em compensação, os "administradores" – ou "bundões" –, eram privilegiados por promoções e cargos de confiança. Dividiu-se a PMERJ, desse modo insólito, em dois segmentos contrários, instituindo-se um sistema de aversão mútua que atingiu limites insuportáveis na convivência intramuros dos quartéis.

O preconceito contra os "fodões" chegou ao extremo limite de o oficial não poder mais portar arma como complemento da farda, o que servia para designá-lo como “fodão” e possível "bandido". Mas nada disso foi por acaso!... Neste ponto, vale iniciar algumas reflexões escudadas na única obra sobre o Comando Vermelho, escrita pelo Jornalista Carlos Amorim ("Comando Vermelho – A História Secreta do Crime Organizado", Editora Record, Rio de Janeiro, 1991, 4ª Ed.), de onde serão extraídas muitas verdades na sequência desta abordagem. Assim os leitores poderão comparar situações reais com os registros históricos do livro, sublinhando-se a ressalva do autor de que tudo o que nele está contido fora fruto de "doze anos de pesquisa", que "não é uma obra de ficção" e que "todos os nomes e locais são verdadeiros". E assim se reporta Carlos Amorim à questão dos direitos humanos referindo-se ao brizolismo:

Anunciou uma política de preservação dos direitos humanos, numa cidade onde os grupos de extermínio agem abertamente. Colocou na Secretaria de Justiça um ex-perseguido político e companheiro de partido, Vivaldo Barbosa (...). Brizola chega a nomear um ex-preso político da Ilha Grande, José Carlos Tórtima, Diretor de Presídio. O crime organizado explorou com habilidade cada uma dessas demonstrações de civilidade do governo estadual.

Ainda nesta linha de raciocínio, Carlos Amorim faz outra denúncia e que merece destaque:

Os limites impostos à ação policial nos morros da cidade permitiram o enraizamento das quadrilhas (...). A paz no morro é sinônimo de estabilidade nos negócios (...). Mas o respeito ao eleitor favelado – que decide eleições no Grande Rio – ajudou indiretamente na implantação das bases de operação do banditismo organizado (...). Estava determinado a consolidar a base política que se apoiava enfaticamente nos setores pauperizados. Na eleição de 82, pesou o apoio da Federação das Favelas (FAFERJ) e da Federação das Associações de Moradores (FAMERJ). Mas o fato é: o crime organizado usou tudo isso para crescer (...). O desenvolvimento do Comando Vermelho foi o subproduto de uma Administração que respeitou o cidadão.

Este foi o clima político enfrentado por oficiais e praças operacionais (“fodões”) por conta dos "bundões", miméticos oficiais que se aliaram na conveniente defesa dessa tese política do PDT, agora adaptada aos conceitos do brizolismo que recomeçava (1991). Mas o poder concentrado por esses facciosos estava muito mais organizado e bem maior do que se pensava. Há muito extrapolara o âmbito dos quartéis porque a facção fardada, formada principalmente por oficiais e praças da PM.2 (Serviço Secreto da PM), Chefia de Polícia Militar e organismos afins de controle interno, já estava atuando como "braço de força" do Ministério Público comandado por Biscaia, todos voltados para a "apuração política" da "CHACINA DOS ONZE DE ACARI", esta que se transformara em movimento político-petista-pedetista e ganhara notoriedade internacional, sendo as "MÃES DE ACARI" comparadas às "MADRES DE LA PLAZA DE MAYO".

Também a Polícia Civil organizara o seu "braço de força" vinculado ao Ministério Público, cuja preocupação fundamental era e continua sendo a de demonstrar "eficiência máxima" na técnica de “investigação criminal”. Mas não bastava ao Ministério Público saber investigar no lugar da polícia judiciária, discutível atividade dos Promotores de Justiça, que, mesmo assim, não poderia alcançar o pragmatismo operacional sem o indispensável "braço de força" das polícias. Por isso os interesses convergiram e originaram essa estrutura informal que passaria a "investigar" com um poder concentrado acima do comum, todos obcecados pela "tese" dos direitos humanos apregoada por Brizola.

Desse concerto de interesses concentrados na "Central de Denúncias" e nas “Centrais de Inquéritos” comandadas por homens de confiança do Procurador Biscaia (promotores de justiça, oficiais e praças da PMERJ, delegados e tiras da PCERJ), começaram a surgir as absurdas "soluções" para crimes supostamente praticados por policiais civis e militares, uma obsessão da facção para atender à tese do brizolismo de combate a grupos de extermínio, desde que o foco fosse direcionado exclusivamente contra policiais. Isto passou a ser a principal ameaça contra a polícia, porque bastava designar alguém como "exterminador" para que toda a maquinaria governamental se voltasse contra o alvo, não importando se fosse ou não verdade.

O efeito desta "política de direitos humanos" contra o aparelho policial logo foi sentido, principalmente na segunda etapa do brizolismo (1991-1994). Pois os mesmos facciosos do passado (1983-1986) ocuparam novamente o poder e reinstalaram a facção com o nítido objetivo de retaliar aqueles que durante o governo Moreira Franco (1987-1990) agiram contra o crime organizado nas favelas do Rio (o inverso da omissão exigida por Brizola).

Curioso é que muitos oficiais e praças da PM, que antes abraçavam a "política de direitos humanos" brizolista (“bundões), durante o governo Marcelo Alencar (1995-1998 – com o General Newton Cerqueira como SSP) se alinharam descaradamente aos “fodões” a pretexto de vencer o crime que não ajudaram a combater. Na realidade, esses colaboracionistas do PDT abraçaram em caradura a paranóia do enfrentamento. E foi o período mais violento, pois a tropa era agraciada com benesses de "pecúnia" e “promoção bravura" em impressionantes idiossincrasia... E muitos desses brizolistas de carteirinha foram promovidos ou aquinhoados, eis que íntimos da comunidade de informações, que costuma ser braço de força de quem manda no momento, em mimetismo típico de quem está acostumado a mudar a textura e o matiz da pele conforme a situação política propõe.

Paradoxal é que essas três instituições (MP, PMERJ e PCERJ) historicamente antagônicas, mas unidas num pequeno e protegido grupo de servidores públicos facciosos brizolistas, se mantêm assim até hoje. Este foi o legado do brizolismo: a consagração de injustiças praticadas por poderosos burocratas fazendo o que não deviam e não sabem fazer: apurar crimes para singularizar verdadeiros criminosos. E como não sabem, denunciam inocentes em falsas opiniões, absurdo que acontece em pleno Estado Democrático de Direito. E para marcar toda essa anomia a serviço do crime, basta lembrar a mordomia ofertada ao famoso bandido Dênis da Rocinha que fugiu sem esforço e nenhum risco do presídio em que estava trancafiado. Eis como nos relata o insólito fato o jornalista Carlos Amorim:

Ele saiu pela porta da frente, vestindo um terno fino, e ainda se deu ao trabalho de despedir-se dos guardas.

NADA DISSO OCORREU AO ACASO...

Vale ainda lembrar outro organismo (Defensoria Pública) que durante o brizolismo foi providencialmente entregue a um ex-preso político, Dr. José Carlos Tórtima, que também mereceu a observação de Carlos Amorim:

Na opinião de muitas pessoas ligadas à polícia no Rio, o advogado José Carlos Tórtima teve influência sobre um certo número de prisioneiros que se envolveram na formação do Comando Vermelho. Hoje ele é o Procurador-Chefe da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

Também é lógico que o Dr. José Carlos Tórtima nega o fato, do mesmo modo que Brizola e Nilo Batista sempre negaram a existência do CV. Mas, afinal...

O COMANDO VERMELHO EXISTE OU NÃO EXISTE?

Há diversos estudos encetados por experientes policiais civis e militares que não deixam dúvidas quanto à existência dessa organização criminosa. Mais uma vez se destaca a investigação jornalística de Carlos Amorim, feita durante doze anos, que não permite a manutenção dessa oportuna dúvida.

De acordo com o conceito universal da Administração, uma organização, para existir, depende no mínimo de seis variáveis básicas: estrutura, pessoas, tarefas, ambiente, tecnologia e competitividade. O conceito atende à realidade do Comando Vermelho como organização criminosa. Senão, vejamos: a estrutura é informal, mas existe com forte cultura, hierarquia de seus membros, divisão de ambientes, direcionamento de tarefas e manutenção financeira dos líderes presos. O vínculo hierárquico é poderoso no Comando Vermelho, assim como integrar o CV significa status no mundo do crime. Os líderes são cultuados em suas comunidades – o ambiente –, assim como respeitados por todos os segmentos do CV de outras localidades. Quanto à competitividade, nem se discute: o CV não somente atravessa o tempo no RJ como se expande como cultura do crime Brasil afora, com sublinhado no PCC paulista, tão íntimo do CV que gerou outra exaustiva pesquisa de Carlos Amorim igualmente grafada em livro: “CV-PCC – A Irmandade do Crime”. A junção dos textos da Carlos Amorim traduz uma história única sobre o crime organizado e suas táticas politizadas, ontem, hoje e quiçá amanhã.

Tornando à variável ambiente, e com o foco no CV, o que era antes restrito ao Morro do Juramento hoje se vê em todo o Brasil. Sim, já se observa a prática de crimes pelo CV em diversos Estados Federados. Também as pessoas existem em número impressionante, assim como as tarefas criminosas são incontáveis. A tecnologia é outro dado importante que coloca o CV na dianteira da polícia, pois o acesso aos sofisticados instrumentos indispensáveis às tarefas criminosas são primeiramente adquiridos pelos membros do CV, porque é certo que dinheiro não lhes falta. Enfim, o crime organizado do CV vem vencendo a competição com seus rivais do submundo e, especialmente, do mundo oficial (a polícia).

Aí está com todos os ingredientes e uma forte cultura para sustentá-la a organização criminosa denominada Comando Vermelho, que hoje se dá ao luxo de possuir concorrentes como: Terceiro Comando, ADA (Amigos dos Amigos) e outros grupos criminosos independentes e estruturados em torno do narcotráfico. A cultura do Comando Vermelho, porém, não se restringe aos objetivos pragmáticos do lucro com o crime. Há muito tempo o CV deixou de lado o romantismo do bandido corajoso cujo exemplo máximo foi o famigerado “Zé Bigode” (falaremos dele em outra oportunidade. Os ensinamentos da Ilha Grande, local onde os presos políticos disseminaram a ideia da imprescindibilidade desse cunho político, estão hoje muito mais enraizados, assim como envolvem emocionalmente as próprias comunidades carentes: o ambiente de homizio da maioria dos membros do CV.


A revolta das populações carentes desde muito tempo vem sendo politicamente capitalizada pelos "benfeitores" do CV, que sustentam a lacuna deixada pelo omisso Estado; ou pior: o Estado usa a máquina em favor do crime. Considerando-se que mais de 78 % da população do Rio de Janeiro vivem na pobreza, na indigência ou na miséria, amontoadas em favelas e na paupérrima periferia, sem qualquer urbanização e outros meios mínimos de conforto que deveriam ser patrocinados pelo Estado; considerando que isto propicia um ambiente de incontida revolta das pessoas contra o Poder Público, sem dúvida não poderia haver clima melhor para a predominância do Poder Marginal. Quem manda no voto das favelas e do asfalto periférico é o bandido. E enganam-se os que pensam que isto é feito apenas pelo terror das armas, o que também é verdade. Existe sim, um consenso de escolha, principalmente porque o bandido busca muitas vezes concordar com sua comunidade. E é nesse consenso que espertamente encaixou-se Brizola desde a sua primeira e retumbante vitória política em 1982, quando se elegeu Governador do Estado com espetacular votação, e também na segunda eleição com as mesmas características de concerto com o Poder Marginal controlador das favelas do Rio de Janeiro. Mas, como eu antes disse, isto não ocorreu ao acaso...

Sem dúvida houve o acordo, fielmente cumprido pelo CV desde 1982, pois as comunidades carentes transformaram-se em guetos brizolistas e abarrotaram as urnas em obediência ao slogan: "Brizola na cabeça"... Tudo saiu como planejado. De um lado o CV com certeza da impunidade que viria; do outro as comunidades apostando na novidade e apegando-se a uma nova esperança de dias melhores ainda não testada. Desta maneira, o ambiente social carente impregnou-se pelo PDT e pelo CV no mais nojento conluio político já ocorrido no Brasil e que teve o Rio como palco. É lógico que o caudilho não escolheu o Rio por acaso. Eis mais um trecho do livro de Carlos Amorim, antes sublinhando palavras dele no sentido de que o CV surgiu do "encontro dos integrantes das organizações revolucionárias com criminosos comuns". E acrescenta: "O encontro rendeu um fruto perigoso: o Comando Vermelho". E, com rara capacidade de abstração e de síntese, aponta sua reflexão para um dos cérebros do CV: o "Professor" – William da Silva Lima:

Sobre isso há um depoimento inquestionável: o primeiro e mais importante líder do Comando Vermelho, William da Silva Lima – o Professor –, diz que leu muitos livros na cadeia. Como nessa história todo mundo escreveu memórias, William não ia ficar de fora. O fundador do Comando Vermelho publicou QUATROCENTOS CONTRA UM – UMA HISTÓRIA DO COMANDO VERMELHO, pela Editora Vozes. O grifo é para salientar que esta editora pertence à Pastoral Penal.

Carlos Amorim, em seu livro, reporta-se a alguns trechos do livro do líder do Comando Vermelho William da Silva Lima, publicada sob os auspícios da Editora Vozes:

(...). Quando os presos políticos se beneficiaram da anistia que marcou o fim do Estado Novo, deixaram na cadeia presos comuns politizados, questionadores das causa de delinquência e conhecedores dos ideais do socialismo. Essas pessoas, por sua vez, de alguma forma permaneceram estudando e passando suas informações adiante (...). Na década de 60 ainda se encontrava presos assim, que passavam de mão em mão, entre si, artigos e livros que falavam de revolução (...). O entrosamento já era grande, e 1968 batia às portas. (...) Repercutiam fortemente na prisão os movimentos de massa contra a ditadura, e chegavam notícias da preparação da luta armada. Agora, Che Guevara e Régis Debray eram lidos. Não tardaria contatos com grupos guerrilheiros em vias de criação.

A propósito da citação do líder do CV sobre a "década de 60", vale rememorar Brizola e seus movimentos políticos com vista à conquista do poder pelas armas. Em 1962, Brizola tentou formar seu "Exército de Libertação Nacional", assim como em 1961 protagonizou o famoso movimento de Goiânia, cujo manifesto denominado "Declaração de Goiânia" sugeria a criação da "Frente de Libertação Nacional – FLN", tudo inspirado nos "ideais socialistas" citados por William da Silva Lima. Esse movimento não prosperou porque os militares fizeram-no abortar e iniciaram um novo período político no Brasil, porém tão afastado da democracia quanto aquele que pretendia Brizola. Na verdade, trocou-se uma provável ditadura de esquerda, talvez sangrenta devido aos caminhos exacerbados que buscavam seus defensores, dentre os quais Brizola, por uma ditadura de direita que certamente não sangrou menos o país, assim como foi muito sangrada pela insistência da esquerda em promover a luta armada na cidade e no campo.

Toda essa explanação exige o retorno às informações contidas na obra de Carlos Amorim, que precisa ser lida por todos os cidadãos que desejam construir uma democracia no Brasil de forma transparente, sem conluios desastrosos e sem ditaduras de esquerda ou de direita. Ao lançar o livro, em julho de 1993, Carlos Amorim salientou, conforme dissemos no início, que "não é uma obra de ficção" e que "todos os nomes e locais são verdadeiros". E surge logo a primeira e grave denúncia no prefácio escrito pelo Jornalista Jorge Pontual, uma "palavra de leitor":

(...). O Comando Vermelho pôde parodiar impunemente as organizações de esquerda da luta armada, seu jargão, suas táticas de guerrilha urbana, sua rígida linha de comando. E o que é pior: com sucesso.

Esta categórica e abalizada afirmação de Jorge Pontual leva-nos a rememorar as insistentes declarações de pedetistas de alto talante assegurando com a maior desfaçatez que "O Comando Vermelho não existe". O Dr. Nilo Batista chegou mesmo a afirmar ao Jornal "O DIA", na condição de Vice-Governador do Estado e Secretário de Polícia Civil e Justiça, que o CV é "um besteirol". Demais disso, o livro de William da Silva Lima (Quatrocentos Contra Um – Uma História do Comando Vermelho) teve por parte do PDT, da Pastoral Penal e da ABI apoio irrestrito até em relação ao local de lançamento, com pompas de obra produzida por "gênio literário". Assim nos informa Carlos Amorim:

O livro de William da silva Lima foi lançado no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no dia 05 de abril de 1991, durante seminário sobre criminalidade dirigido pelo Instituto de Estudos de Religião, de orientação católica. O texto final foi copidescado por César Queiroz Benjamim, um ex-militante do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), que trabalhou sobre um original de mais de quatrocentas páginas.

Nota-se a perplexidade de Carlos Amorim diante das constatações que fez em sua pesquisa de doze anos, o que torna a sua obra única no gênero. Ele ainda afirma sobre o livro do prócer do CV, prefaciado pelo cientista político e filósofo Rubem Cesar Fernandes, presidente da ONG VIVA RIO, não por acaso, que:

As palavras do Professor dão bem a ideia do quanto ele se desenvolveu nos contatos que manteve na cadeia. Dizem que, ao contrário da maioria dos militantes da esquerda, ele leu O CAPITAL – conhecimento que ainda hoje falta a muito comunista de carreira.

Com efeito, a história costuma encaixar as ideias e os fatos delas decorrentes como num "quebra-cabeça" cujas peças espalhadas custam a encontrar seu lugar no tabuleiro. Mas acabam se encaixando e formando o desenho final que fora anteriormente determinado. Pois também não foi por acaso que a ABI foi escolhida. É só retornar ao passado e aos idos de 1962 para constatar que uma das brilhantes presenças no movimento que gerou a "Declaração de Goiânia" era o ilustre e respeitado Jornalista Barbosa Lima Sobrinho, presidente da ABI na ocasião do lançamento do livro do prócer do CV. O ilustre personagem do mundo jornalístico e político, certamente um idealista, deve ter sido manipulado pelo esperto e oportunista Brizola. Por isso a ABI foi escolhida como palco do CV. Mas o conluio de Brizola e seus sectários com o CV não terminou no lançamento apoteótico da mais importante obra literária do CV. Segundo ainda Carlos Amorim, outro fato surpreendente ocorreu e foi por ele assim sintetizado:

Duas semanas após o lançamento, no dia 19 de abril, o fundador do Comando Vermelho, com autorização do DESIPE, manteve um encontro com jornalistas estrangeiros no Hospital Penitenciário. Esta foi a segunda vez na história do sistema penal brasileiro que um preso comum deu entrevista coletiva à imprensa. Na noite de autógrafos na ABI, quem assinava os livros era a mulher dele, Simone Barros Corrêa Menezes.

Somente para aguçar a reflexão daqueles que tiverem acesso à leitura deste texto, informa ainda Carlos Amorim a respeito desse personagem do CV alçado à condição de "gênio literário" pelos sectários brizolistas:

William da Silva Lima, um pernambucano de cinquenta anos, se considera um guerrilheiro, (...) Hoje ele está preso em BANGU I.

Figura também no livro de Carlos Amorim talvez a mais impressionante revelação de William da Silva Lima, gravada pelo Detetive João Pereira Neto, da Divisão Anti-Sequestro do Rio:

William comenta que alguns intelectuais pretendiam usar o Comando Vermelho na luta política. (...). Alguns deles, pequeno-burgueses, pretendiam usar nossas comunidades e nossa organização com finalidades políticas. – À medida que não deixamos usar, comprovamos, sem soberba, que conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu, o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente elas serão três milhões de adolescentes que matarão vocês (a polícia) nas esquinas. Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados em armas? Quantos BANGU I, II, III, IV, V... terão que ser construídos para encarcerar essa massa?...

William da Silva Lima é tão importante emblema do CV que Carlos Amorim teve de lhe dedicar muita atenção, principalmente porque as ligações políticas e os conluios de sectários brizolistas com o CV alcançaram um incrível pragmatismo nos bastidores desses contatos, pois é certo que para se chegar a assumir publicamente a paternidade dessas perigosas ligações, como no caso do lançamento do livro, muitos conluios devem ter ocorrido fora do domínio público. Neste ponto é imprescindível destacar outra revelação de Carlos Amorim:

Na Ilha Grande, diante de toda a imprensa, um acontecimento insólito: a autoridade pública é recebida por um dos Vermelhos, um dos novos xerifes da prisão, Rogério Lemgruber, o Bagulhão. O representante do Comando Vermelho veste bermudas, camisetas e sandálias havaianas. Mete o dedo na cara do Secretário de Justiça e comunica a ele que os presos estão cansados de ouvir o blábláblá do governo... Esperam medidas concretas e imediatas. A visita ao "Caldeirão do Diabo" é cheia de incidentes. Os presos desfiam um rosário de críticas e reivindicações. William da Silva Lima faz um discurso de vinte minutos, interrompendo o promotor e deputado estadual Leôncio Aguiar de Vasconcelos, que acompanhava o secretário de Justiça. O Professor é aplaudido em delírio pelos presos. A coisa chega a ficar tão tensa que o diretor do presídio cochicha no ouvido de Vivaldo Barbosa uma advertência: – Se isso continuar assim, vamos acabar como reféns.

E complementa com outra não menos importante citação histórica:

No dia 30 de setembro (1983), uma quinta-feira, os homens de confiança do governador Brizola se reúnem secretamente num anexo do Palácio Guanabara. O motivo do encontro é a incontrolável violência nas cadeias. A conversa a portas fechadas dura toda noite e parte da madrugada. Estão presentes o secretário Vivaldo Barbosa e seu subsecretário Antônio Carlos Biscaia, o secretário de polícia Arnaldo Campana, o comandante da PM Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, o diretor do Desipe, Avelino Gomes, e o coordenador de assuntos penitenciários, Dráuzio Lourenço.

Como se pode inferir, os personagens do conluio do PDT com o CV surgem naturalmente e se encaixam no "quebra-cabeça" que representa a verdadeira e única história do brizolismo no Estado do Rio de Janeiro. Porque, sem dúvida, é verossímil a permissividade de seus sectários com a organização criminosa que se tornaria a mais poderosa do Brasil depois de oito anos de impunidade. Sim, tudo que aqui está retratado permite imaginar a ideia política do caudilho, o sonho inalcançado no passado, o seu "Exército de libertação Nacional" representado pelo Comando Vermelho, que hoje reúne componentes ideológicos necessários, efetivos surpreendentes e armamentos sofisticados, além do apoio das populações faveladas. Mas nada disso ocorre ao acaso...

Em resumo, a facção política situada na esquerda tem grupo armado, conta com numerosa e revoltada população concentrada em favelas e apoiando os bandidos, estes que praticam a guerrilha urbana diariamente, com seus comandos homiziados em favelas. E se antes havia a sofisticação dos sequestros, a precisão dos assaltos a carros fortes, a bancos e a outras instituições empresariais, hoje o crime organizado do narcotráfico liderado pelo CV representa um componente social profundamente instalado na cultura das comunidades carentes, tornando incontestáveis as ações de dois poderes que se uniram por laços de comprometimento fortíssimos: o Poder Público e o Poder Marginal.

Feitas estas considerações históricas, a reflexão partirá para o segundo período de governo Brizola com o foco na chacina de Vigário Geral. Em primeiro lugar, deve-se situar Vigário Geral no contexto do Comando Vermelho, – ainda fixado na pesquisa de Carlos Amorim, – para garantir a isenção da análise. Eis como salientou o autor a respeito da favela de Vigário Geral:

Entre os grandes chefes que continuam em liberdade há uma divisão de tarefas. Adlas Ferreira da silva, o Adão, é o pinga-fogo, o braço armado da organização. Domina um território importante, a favela de Vigário Geral, encravada no coração da Zona Norte. Adão não é um homem de muitas palavras – é da ação armada, do confronto. Tem sob seu comando um número ainda não determinado de soldados equipados com o que há de melhor na indústria bélica mundial. Costuma requisitar reforços de outros feudos do Comando Vermelho, toda vez que está envolvido numa grande ação com características de guerrilha urbana. Em todas as operações violentas – assaltos e sequestros –, a polícia sempre vê um lado do bandido, justamente o dedo que aperta o gatilho.

Vigário Geral e seus bandidos há muito se destacam por seus métodos violentos. No último período de governo brizolista os traficantes daquele local acirraram seus ataques contra policiais, bastando o exemplo dos quatro policiais civis da 39º DP barbaramente assassinados pelos bandidos de Vigário Geral, em 1993, no Bairro Jardim América, quando tentavam impedir um "pega" que contava com a assistência de milhares de pessoas. Os policiais civis foram surpreendidos pelos traficantes, rendidos, desarmados e postos de joelhos pedindo clemência, sendo friamente executados, nada ocorrendo como reação do sistema situacional pedetista, que mantinha a polícia amedrontada e impedida literalmente de contra-atacar.

Como se pode constatar, o ódio de policiais contra os bandidos de Vigário Geral, e vice-versa, tem inúmeros antecedentes, como o retro-mencionado, sendo notório que muitos PMs já foram vítimas da sanha assassina de bandidos ao transitarem em ônibus a caminho de casa ou do trabalho, quando identificados pelas insólitas "blitzen" realizadas por marginais de Vigário Geral apenas com o objetivo de matar policiais. A própria PM foi obrigada a instituir policiamento específico de PATAMO na Rua Bulhões Marcial, na periferia da favela, envolvendo o 9º BPM, o 15º BPM e o 16º BPM, respectivamente Rocha Miranda, Duque de Caxias e Olaria, a fim de evitar ações armadas desses bandidos contra indefesos PMs passageiros de ônibus.

Era notório que Vigário Geral, como assegurou Carlos Amorim, sempre representou um poderoso braço armado do CV, homiziando ali seus principais "guerrilheiros urbanos", temidos até mesmo por seus iguais de outros locais. Esta fama não fora conquistada gratuitamente, pois ali sempre ocorreram lideranças cruéis, como a de "Chiquinho Rambo" – a denominação fala por si só –, Flávio Negão e o próprio Adão, além do famigerado "Zé Penetra". Todos eles sempre se destacaram por audácia e frieza. Eram e são (alguns vivem) assassinos ferozes, especialistas em sequestros e assaltos arrojados contra instituições financeiras. E mais tráfico de drogas. Desses citados alguns talvez estejam presos, exceto Flávio Negão, que foi morto pela PM após a chacina de Vigário Geral, ocasião em que matou mais um PM, sargento do BOPE – Batalhão de Operações Especiais – durante confronto também fatal para ele. Só como lembrança, Flávio Negão comandou pessoalmente o bárbaro assassinato dos quatro policiais civis e dos quatro PMs do 9º BPM, fato último que fez entornar o caldo de ódio fervente e acumulado entre policiais e bandidos de Vigário geral, originando a não menos absurda matança de 21 pessoas em Vigário Geral.

Independentemente da barbaridade da reação que culminou infortunando inocentes, não se pode deixar de considerar esses antecedentes de ódio e o aspecto de "guerrilha urbana" instalado na cultura de todos – moradores e bandidos de Vigário Geral – o que permite comparar o "estouro da boiada" de PMs a uma típica reação de tropas regulares contra bases guerrilheiras tal igual ao Vietnã. Pode parecer comparação grosseira, mas, na verdade, as reações coletivas de seres humanos historicamente envolvidos em confrontos com características de guerrilha não têm sido diferentes ao longo da História da Humanidade.

A irracionalidade do ato dos matadores (policiais não singularizados devidamente devido à pressa e à irracionalidade do sistema situacional) teve um antecedente indiscutível: a revolta. E esta não mede consequências, assim como não se vincula a preceitos de legalidade. Foi esse mesmo "estouro da boiada" que fez eclodir a Revolução Francesa. É lógico que alguns inocents PMs acusados de participação na chacina, em vez de beneficiados foram prejudicados pela dúvida gerada a partir de punições disciplinares por motivos banais. Sim, receberam severas punições disciplinares (muito fácil) por raspar o bigode ou não comunicar novo endereço em tempos muito anteriores, mas poucos culminariam condenados pela justiça devido a essas e outras trapalhadas urdidas por arapongas da PMERJ que comandaram as “investigações” com carta-branca do MP.

Todavia, isto não eliminou o problema, apenas acirrou-o até ocorrerem tragédias semelhantes, como a chacina da Baixada Fluminense. E em muitas favelas não ocupadas por UPP os bandidos continuam líderes de sofridas comunidades sem alternativa a não ser ombrearem com bandidos. É ilusão pensar que movimentos isolados de pessoas corajosas e bem-intencionadas solucionarão o problema. Não há nas favelas, nem mesmo com UPP, um garantido império da lei e da ordem. Em Vigário Geral, que por azar não se insere no cinturão de segurança em vista da Copa do Mundo e das Olimpíadas, ainda se impõe o Poder Marginal, absoluto e impune, assim como em outros locais dominados pelo Comando Vermelho, cujo poder bélico faria corar o próprio pesquisador Carlos Amorim.

Hoje são muitos "braços armados" – e muito bem armados – espalhados pelo RJ. Hoje eles têm telefonia celular, carros importados, moeda nacional forte, computadores e outros sofisticados meios para aprimorar a organização criminosa. Do outro lado há uma polícia fragmentada, ainda inerme e inerte em razão das retaliações passadas. Hoje todos sabem que as Forças Armadas não conseguem sanar o problema da criminalidade urbana, este que não se resolve num estado de normalidade democrática que delimita o uso da força e não pode ser diferente.

Pois o romantismo da democracia emergente, na verdade, não permite nem mesmo a hipótese da decretação do "Estado de Defesa" ou de absoluta exceção legal –"Estado de Sítio" –, a fim de que a Polícia e as Forças Armadas combatam os "guerrilheiros do CV" como "inimigos internos", sem preocupação com limitações legais. Mas, como aventar esta solução se se sabe que as Forças Armadas não têm vocação para a atividade policial? E a polícia, do jeito como está, também perdeu a batalha! No caso das Forças Armadas, isto ficou provado pelo insucesso da "Operação Rio". Resta, pois, a polícia do "seja o que Deus quiser"... Ou a reflexão mais profunda sobre a criminalidade e suas causas, a fim de se encontrar uma solução definitiva para o grave problema, de modo que nenhuma facção consiga tirar proveito político da aflição da sociedade e do desespero dos governantes, lembrando aqui que a aleatoriedade deles poderia ser resumida num só exemplo: o de Sérgio Cabral, que iniciou seu primeiro governo defendendo publicamente o “enfrentamento” logo após a morte, em ação policial, de 19 pseudo-bandidos no Complexo do Alemão. Depois disso acendeu-se uma lâmpada mágica com as UPPs. E no futuro?...

Um comentário:

Paulo Fontes disse...

Caro amigo Larangeira,



Tentei fazer um comentário sobre a matéria postada no seu blog mas foi recusada por ultrapassar o número de caracteres permitidos.

Sendo assim estou enviando pelo email.

A situação naquela época era tão escandalosa que até mesmo a filha do vice governador Francisco Amaral, Maria Paula Amaral, mantinha um romace para lá de promíscuo com seu amante e traficante Paulo Roberto de de Moura, o Meio Quilo, então preso no complexo do Lemos de Brito

Acontecia de tudo: chacinas de policiais e bandidos, fugas espetaculares de presídios, acordos entre mandachuvas do governo e traficantes, festas da filha do Brizola nas dependências do DETRAN e outras "cositas más".

Abcs

Paulo Fontes