sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O círculo vicioso disciplinar da PMERJ (I)

Fonte: Jornal O GLOBO de 23 de janeiro de 2013

 
Toda vez que a PMERJ é instada a apresentar índices de exclusão disciplinar a algum jornal, geralmente ela se resume à divulgação do quantitativo em si como se se tratasse de cabeças de gado descartadas para não contaminar a manada. É sempre um número frio, sem vida, que não singulariza as pessoas e reduz os fatos geradores da exclusão a poucas situações graves, claro, mas sem dar nome aos bois levados ao abate. Também a corporação não costuma difundir dados a respeito daqueles que simplesmente pediram licenciamento por motivos vários. Enfim, é tudo na superfície, no espelho d’água, nada mergulha e se aprofunda nas avaliações sobre as causas geradoras do extremo efeito tornado “comoriente” por somatório simples e direto. A lógica é a de que o impacto dos números atende aos anseios e valores dos leitores do jornal, que, porém, deveriam querer saber mais sobre os motivos que levaram a PMERJ a expurgar dos seus quadros tantos militares estaduais ano a pós ano.

A apresentação de números e percentuais comparativos à imprensa deveria ser mais clara e difundida para toda a sociedade, talvez pelo site da PMERJ, indicando inclusive o tempo e o lugar onde cada fato desairoso aconteceu, para que pessoas interessadas (da imprensa, dos meios acadêmicos e da sociedade em geral) possam inferi-lo à luz da sociologia, da psicologia social e de ciências afins. Também interessaria ao Ministério Público, em vista do Art. 55 do CPPM (“Art. 55. Cabe ao Ministério Público fiscalizar o cumprimento da lei penal militar, tendo em atenção especial o resguardo das normas de hierarquia e disciplina, como bases da organização das Forças Armadas.”), este que deveria exigir maiores detalhes sobre o fenômeno por muitas razões, dentre outras que se poderiam igualmente anotar: se todas as exclusões foram justas e se os que optaram pelo licenciamento não o fizeram por motivo de rigor excessivo contra subordinado; ou qual teria sido o impacto social dessas exclusões em massa sobre a criminalidade, já que ex-PM tem mais dificuldade que ex-presidiário de se inserir no mercado de trabalho e muitos deles culminam ingressando no crime levando experiência e conhecimento adquiridos na caserna.

É muito fácil apresentar o fenômeno em reducionismo, dando ênfase aos números e aos percentuais. A questão, porém, é cumulativa e complexa, e para se saber seu real impacto na sociedade haveria de haver um caminho que garantisse o conhecimento real do problema, o que significa estudar cada caso de exclusão ao longo de um período de referência que atendesse ao fim proposto. Porque não somente as exclusões afetam o efetivo pronto da corporação, mas também as doenças psíquicas e psicológicas e muitas doenças físicas decorrentes do esforço hercúleo de um ser humano que trabalha nas ruas enfrentando chuva e canícula sem se dar o direito de fugir dessas situações da natureza e muitas vezes a elas se expondo para servir a terceiros. E de todas as exclusões revela um tipo deveras questionável e decorrente da hierarquia piramidal que valoriza idiossincrasias isoladas de comandantes em detrimento das decisões colegiadas, em especial quando se trata de punir militares estaduais inocentados pelos diversos Conselhos de Disciplina (CD), Conselhos de Revisão Disciplinar (CRD) e Conselho Escolar Disciplinar (CED), este último destinado a oficiais-alunos da Academia Dom João VI (Curso de Formação de Oficiais). Inclui-se também nesta idiossincrasia suplantando decisões em tese mais abalizadas a não aceitação e alteração de relatórios dos encarregados de IPM e as decisões colegiadas dos Conselhos de Justificação, estes que podem ter suas decisões colegiadas intramuros dos quartéis repudiadas pelo Secretário da Segurança Pública, geralmente civis. Enfim, o sistema de avaliação é inverso do da Justiça, que se inicia com decisões individualizadas (juiz da causa) e posteriormente reavaliadas por colegiados de instâncias superiores. Enfim, há algo incoerente nesta história disciplinar da PMERJ, que se reporta aos rigores do “tempo do Onça”... (*)

Muitos diriam que é obrigação, que faz parte da missão, que todos entram sabendo que é assim... Mas a questão é a de que esse profissional tão facilmente descartado custa caro ao contribuinte, e cada um que se vê abatido ou voluntariamente se abate do efetivo em condições de trabalho produz um óbice na atividade-fim garantidora da proteção do cidadão que paga a conta. E não é a reposição eficiente dos vazios que resolve o problema, mas sim o preço da improdutividade deste vazio, incluindo-se os casos de afastamento parcial ou definitivo por doenças, licenciamento voluntário, licenciamentos disciplinares e demais fatores que mirram o efetivo, este que, em tese, é calculado e distribuído para servir ao cidadão em todo o ambiente social carioca e fluminense. Também interessa comparar essas evasões com a capacidade da PMERJ em supri-las com novas safras, para saber se estamos diante de círculo virtuoso ou vicioso. No fim de contas, não estamos submetidos a uma guerra de infantes com soldados disparando armas para ver quem se extingue primeiro em consequência dos tiros ininterruptos a atingirem corpos vivos para pô-los fora de combate.

A declaração do comando-geral, como a de todos os antecessores dele, não traduz nada mais que zelo com a disciplina, algo natural, comum a todos os que ocuparam aquele cargo, e que se expande na medida em que o efetivo aumenta. Vide a fala do ilustre comandante-geral: “Aqueles que não aceitarem essa nova orientação, vão embora,” A assertividade dele, induvidosa, além de não se diferenciar dos anteriores comandos-gerais, deixa evidente que a PMERJ não transige com transgressões disciplinares e crimes: cobra caro dos seus autores.

Contudo, cada vez que há aumento do efetivo a tendência é a de haver mais atenção com os desvios de conduta, o que implica mais fiscalização sobre a tropa durante o serviço e fora dele, determinando mais exclusões disciplinares. Porque não se descarta a possibilidade de o PM ser disciplinado dentro do serviço e transgressor fora dele. Então a PMERJ, por isso, vem aumentando o efetivo destinado ao controle interno e externo da tropa, para tanto ampliando suas estruturas disciplinares e judiciárias, e de inteligência, permanecendo, porém a indagação: “E quem controla os controladores?” Serão eles e elas (homens e mulheres) entes acima do bem e do mal, ou, na verdade, estão próximos também do pecado e a ele sucumbindo de quando em quando?”

Verdade é que o efetivo de controladores é numeroso a mais e mais na medida em que prevalece a desconfiança em detrimento da confiança que se deve depositar no ser humano que veste farda. Pois não há como garantir isenção, senso de justiça, honestidade e demais qualificativos a serem postos nas algibeiras desses controladores, porque eles, tais como toda a tropa, formam um grupo humano sujeito a tentações. Portanto, atuar a corporação dentro da ótica de que os seres humanos são essencialmente maus (e que por isso devam ser fiscalizados) e não basicamente bons (e que por isso devam ser estimulados) é um contrassenso.

Enquanto não houver essa transição de valores intramuros dos quartéis, a tendência disciplinar será sempre dramática, ou trágica, ou caótica. Porque nenhuma administração que se paute no processualismo interno e na punição como referência de suas estratégias existenciais terá êxito no fim de contas. Isto é cediço na Teoria Geral da Administração e no Planejamento Organizacional. Mas essa transição de valores dificilmente nascerá no fechado mundo da PMERJ. Terá de vir de fora, o que implica considerar desde já que os muros dos quartéis se tornarão trincheiras de combate para conter os intrusos. E a PMERJ pode ser assim, organização com perspectiva de sistema fechado, o Estado lhe garante “sete vidas” a cada ano e a cada orçamento gerado por contribuições de cidadãos que, passivos e conformados, pagam o que lhes cobram sem exigir soluções eficientes, eficazes efetivas para a segurança pública. Contentam-se, sim, com os atuais discursos punitivos e não percebem que são os mesmos de ontem...

(*) A origem da expressão "No tempo do Onça" No início do Século 18, o Rio de Janeiro era governado por Luiz Vahia Monteiro, conhecido como “o Onça”. Ele tinha este apelido por ser extremamente severo. Era exigente, também. Durante o período em que governou o Rio, ele cumpria rigorosamente a lei e exigia que todos a cumprissem também. Tempos depois de ter deixado o cargo de governador, a cidade voltou gradativamente a ser a bagunça que é até hoje. Os saudosos do governador Vahia Monteiro, ao assistirem o desleixo com que a cidade era administrada, viviam suspirando pelos cantos e dizendo: “Ah, no tempo do Onça que era bom!”. Por conta disto, a expressão “no tempo do Onça” passou a significar coisa antiga, algo de tempos passados. (Crédito: http://antigasternuras.blogspot.com.br/2005/03/origem-da-expresso-no-tempo-do-ona_17.html)

Link vinculado ao tema: http://www.flaviobolsonaro.com.br/html/2013/comunicado_flaviobolsonaro_03.html

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Misoca, registro apenas uns míseros tópicos técnicos a respeito da entrevista desse senhor:

1. Voce cita o aumento desmesurado do efetivo. Gostaria de sugerir que voce desse uma olhadinha no que o CFAP se transformou nos últimos 6 anos.( assustador,a politica do "miojo" é uma bomba relógio e apenas esse rapaz deixará um legado para seus sucessores, de ter que expulsarem não 300, 400, mas milhares de PM por ano)

2. A perda da pirâmide de comando militar nas chamadas UPP, é a ação mais grave de desconstrução institucional já feita na PMERJ nos últimos 204 anos. Quem viver verá.....( Obs, não estou criticando o modelo de distribuição espacial do efetivo, e sim a " nova cadeia de comando".

3. O Seabrinha saiu, não porque fosse apenas fraco operacionalmente, mas porque estava virando uma "ameaça".

4. A entrada do PH, é um presente de grego para o mesmo , pois esperam que sua efêmera passagem pelo BOPE, passe a "assustar" os vagabundos que já mandam e desmandam nas áreas ocupadas. Tudo ilusão, não é assim que funciona..


5. Chega, não quero tomar seu precioso tempo, mas já que virou moda falar em " LEGADO", o legado que este Sr. que concedeu a entrevista vai deixar para a posteridade está mais para DELIRIUM TREMIS do que qualquer outra coisa .

Belzeba

Emir Larangeira disse...

Caro Belzeba

Desconsiderando o item cinco, que não me interessa, não lhe nego razão quanto ao restante do seu comentário. Mas é bom lembrar que comandantes anteriores muitas vezes deram o mesmo tipo de entrevista, o que torna crônico o problema, e mais grave, realmente um perigo, pois parte do princípio inverso do ideal, que é considerar o ser humano basicamente bom, e não fundamentalmente mau. É o que Geraldo Caravantes e Paulo Roberto Motta nos ensinam na obra Planejamento Organizacional, para não dizerem que invento moda.
Obrigado pela intervenção!