sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Ainda o rebolation no ESQUENTA



Eu não mais pretendia falar do rebolation no ESQUENTA, mas não resisto em vista do negativo desdobramento de comentários parciais na rede social, tais que, – em havendo o silêncio, – tendem a ficar no mundo como verdades insofismáveis. Daí eu arguir que um dos maiores problemas da PMERJ, – claro que de responsabilidade das pessoas que os vivenciam, estejam na ativa ou na inatividade, – é a tendência à manutenção do status quo e à autofagia institucional – uma contradição. Esse cacoete atávico é típico do militarismo sul-americano, involuído, fazedor de ditaduras e desconhecedor de guerras reais, especialmente nesses tempos hodiernos. Nem me vou referir à Guerra do Paraguai e dos escravos ocupando lugares de jovens aristocráticos a troco da liberdade numa volta que não houve: lá os pobres-diabos ficaram estendidos no chão, eis a “liberdade” conquistada...

É esse tradicionalismo reiterado em repetitivas solenidades, olvidando as velozes transformações sociais, que assisti nos últimos 45 anos. E confesso que em muitas das solenidades eu também vibrava com todas as cordas de minha inexperiente emoção. Mas hoje, avelhantado, - e depois de amargar infindáveis experiências, - entendo que muitas vezes se tratava e ainda hoje se trata dum falso saudosismo representado pelo culto irracional aos símbolos, não raro dissimulando as mazelas de uma instituição que precisa ser revista de fora para dentro para se adequar aos novos tempos. Entendo hoje que as tradições merecedoras de lembrança devam estar em museus. Enfim, o ser humano é quem deve sobrepujar sobre o artificialismo do pano costurado em farda e dos metais forjados em lindos emblemas sem que saibamos, no caso de muitos, que histórias eles contam, se é que as possuem. Porque entendo não ser mais tempo de se valorizar o invólucro representativo dos poderes do Estado e renegar seu conteúdo humano, pessoa de carne e osso que o sistema facilmente descarta para garantir a imponência da farda e suas representatividades artificiais ou artificiosas de poder e de opressão, aliás, negada aos inativos, estes que, contraditoriamente, mesmo sem poder usar farda e símbolos, se mantêm atrelados aos grilhões dos deveres disciplinares e aos imperativos das leis penais militares.

Sim, que histórias são essas, lá do passado, às quais muitos se apegam, enquanto agora, no tempo no presente, jovens militares estaduais morrem às pencas em confrontos com traficantes armados de fuzil AK-47, para não citar outras marcas?... Que diabo de instituição é essa que se tranca numa falsa seriedade ignorando o progresso e, pior, olvidando o sentimento humano? Que diabo de instituição é essa que não respeita o sentimento alheio e julga o outro em arrogância de sacripanta? Que corporação é essa, sem corpo e sem coração, e que age sob os efeitos do desrespeito ao sentimento humano? Que corporação é essa que vive dos louvores pátrios, dos gritos de guerra insanos, da forçada motivação para sofrer e da banalização da morte? Será uma corporação de loucos?... Que corporação é essa que é capaz de exigir continência dos mortos, além de cobrar disciplina de octogenários, até que finalmente eles morram e se libertem dos ferros tais como os escravos que se libertaram morrendo nas ensanguentadas planícies paraguaias?

Vejo alguns companheiros da PMERJ, – refiro-me aos de alto talante, – execrando os PMs do rebolation sem se reportarem à essência do episódio. Permanecem no continente e ignoram o conteúdo ao cobrarem dos PMs o ônus de terem comparecido à TV Globo para dançar no ESQUENTA da Regina Casé. Estranho que não se preocupem em explicar (ou se preocupem em não explicar) os porquês de aqueles PMs lá estarem; e são tão gritantes os motivos de ocultação da causa primeira (presença do secretário de segurança pública abonando o comportamento dos PMs) que a reação desses críticos me lembra aquele poleiro dos pombos limpos lá no alto e dos pombos cagados ao rés do chão – sempre as maiores vítimas da hierarquia piramidal.

Ninguém raciocina com a hipótese inversa, ou seja, a de que os militares estaduais foram jorrados no inusitado cenário e se viram diante de duas alternativas dilemáticas: dançar e receber severas críticas pelo comportamento antirregimental, ou imobilizar seus corpos, feito estacas, deste modo se diferenciando de todas as pessoas presentes ao ambiente festivo, arriscando-se à pecha de arrogantes e hipócritas, de mais realistas que o rei etc. Diante das circunstâncias, creio eu, os PMs preferiram se libertar dos grilhões da farda e dançar ao som da música reinante, sendo certo que, se tocassem o Hino Nacional, todos ali se perfilariam respeitosamente. Ora, por que a farda há de ser sempre um fardo?...

Mas, cá entre nós, no ambiente festivo não cabia Hino Nacional algum, nem cantado nem tocado. O palco, afinal, não fora armado para solenidades militares. Fora produzido para dar asas à alegria do samba, do funk, do pagode e quejandos, ritmos da plebe geralmente abominados pela elite, esta que se limita a óperas, mesmo que delas não entendam bulhufas. No caso da farda e dos críticos, refiro-me à elite dos galões e medalhas douradas, e de suas inúteis espadas desembainhadas em solenidades pimponas, muitas delas destinadas a homenagear o andar de cima, enquanto a plebe queima como estacas ao sol (a tropa), com alguns desmaiando na posição de sentido porque não dormiram durante a noite virada no labor arriscado do combate ao crime.

Ah, os críticos ignoram de propósito a presença da autoridade maior, a quem caberia fazer valer a hierarquia e a disciplina na condição de chefe direto da PMERJ, se assim o entendesse, e disparam críticas aos PMs do rebolation como se estes fossem criminosos de último grau e estivessem naquele programa por vontade própria. E cobram do comandante-geral uma decisão na esfera disciplinar que não está na sua alçada, pois a presença da autoridade a ele superior remete o problema disciplinar ao Governador do Estado, que ao que tudo indica não se afetou com nada disso e permaneceu em silêncio (“RDPM/ CAPÍTULO III – Esfera de ação do Regulamento Disciplinar e Competência para sua aplicação: Art 10 – A competência para aplicar as prescrições contidas neste Regulamento é conferida ao cargo e não ao grau hierárquico, sendo competentes para aplicá-las: I – O Governador do Estado, a todos os integrantes da Polícia Militar; II – O Comandante-Geral, aos que estiverem sob seu comando;”). Cá entre nós, talvez muitos dos dançarinos no ESQUENTA nem estivessem sob a batuta do comandante-geral...

Ora, essas manifestações são de cunho nitidamente político, porém creio que de tonalidade infeliz, pois a tropa em si continua a trabalhar indiferente ao polêmico fato. E o silêncio dela, como espécie de lei, é mais que eloquente... É retumbante!... Porque a tropa, mesmo com alguns não concordando com o comportamento dos colegas, no fundo não vem apoiando com tanta ênfase as iradas críticas de cima, sendo certo que pela lógica hierárquica, aqui repito, nada pode ou deve ser cobrado do comandante-geral a não se que dele se exija uma tresloucada demissão. Ora, ora, isto é exigir demais! Que se critique o secretário de segurança pública, quem assim o quiser, vá! Que se reclame do governante a decisão maior, vá! Mas que se ignore o fato da presença do titular da SSP no ambiente questionado, não!

Portanto, atacar o problema na base da pirâmide ignorando a realidade de que ele é afeto ao andar de cima, aí não dá! Não que eu não respeite as indignações externadas de muitas formas, mas que as vejo parciais e desfocadas do seu cerne não me há dúvida! Afinal, a conduta dos PMs no ESQUENTA da Regina Casé foi presencialmente legitimada por quem lhes deveria punir disciplinarmente acima da autoridade do comandante-geral. Eis porque não concordo com essas críticas aos PMs do rebolation por uma questão de coerência minha, pessoal e intransferível, mesmo que represente um contraste em cotejo com o ascetismo militar que muitos companheiros defendem com ardor, mas decerto não o praticaram ou praticam...

4 comentários:

Paulo Xavier disse...

Vou narrar um fato acontecido nos meus tempos de caserna.
Aconteceu com um determinado Cabo PM do 12º BPM que foi punido porque foi flagrado por um Sub-Ten da supervisão em meio a uns conhecidos cantarolando um samba e usando o quepe como pandeiro. Segundo se comentou, ao ser questionado pelo Sub-Ten, o que ele (o Cabo) fazia ali, a resposta foi evasiva. - Ah meu sub, não se mete nessa parada não que aqui é outro departamento.
A ação do Cabo mais a resposta esfarrapada e desrespeitosa lhe custou 30 dias de prisão. Fosse hoje, talvez ele ( o cabo) fosse convidado a fazer parte daquele grupo de PMs artistas do Esquenta. Como os tempos mudam...

Emir Larangeira disse...

Caro Paulo Xavier

cada caso é um caso. O seu é totalmente diferente do que houve no ESQUENTA. Lá havia presente o secretário de segurança pública que na linha hierárquica está acima do comandante-geral. Os críticos internos estão focando apenas os graduados e praças e o próprio comandante, como se este estivesse omisso ante a "transgressão". A verdade é que ele não pode punir ninguém, pois o grupo foi levado pelo secretário. Quanto à reação de entrar no clima, confesso que até eu, se lá estivesse, talvez desse um rebolation para tentar agarrar alguma boazuda. Esse negócio de sacralizar a farda em detrimento de quem a veste é um grande mal. Você mesmo foi vítima disso, da cultura que põe a instituição além do ser humano. Se isto fosse verdade, e regra geral sempre obedecida pelos de cima, tudo bem. Mas são esses de cima que bagunçam a norma enquanto metem rios de estacas no fiofó dos de baixo. Esse é o problema: quem tem moral para atirar a primeira pedra? É quem eventualmente manda?...

Paulo Xavier disse...

Cel Larangeira.
Os seus textos tratando desse assunto do rebolation do "Esquenta" são claros e mostram a realidade dos fatos. No entanto, em 2014 será ano eleitoral e já podemos profetizar o que virá por aí.
O sr sabe que nos meus tempos de caserna eu gostava de cumprir meu dever constitucional saindo às ruas para defender a sociedade, ora correndo atrás de bandido, ora patrulhando a cidade, o que também põe o bandido pra correr. Se algum dia eu fosse designado para rebolar fardado na TV, com certeza seria preso "por deixar de cumprir ordens superiores". Desconfio que essa reação negativa da maioria da tropa seja justamente por preocupação com o que poderá advir.

Emir Larangeira disse...

Caro Paulo Xavier

A grande questão é a de que não houve nenhuma reação negativa da tropa. Houve reação de três coronéis, especificamente. Inclusive dois deles são meus amigos, mas discordo da dimensão que eles deram ao problema, em especial porque cobraram dos menores um problema criado por um maior que não é citado, entendeu? A tropa, na verdade, está silenciosa. Não sabemos que opinião tem, pois somente uns dois ou três, num universo de milhares que navegam no facebook, reclamaram ou acharam normal. Os demais, muitos mesmo, não se pronunciaram. A minha reclamação tem mais a ver com a preocupação dos críticos em poupar o único responsável pelo problema à luz dos regulamentos. Só que esse responsável, do topo da pirãmide disciplinar e hierárquica, não se incomodou estando de corpo presente. Por que os críticos fogem dessa verdade? Quanto a mim, já assumi posição em defesa dos PMs. Portanto, não estou criticando o secretário, muito pelo contrário. Mas se eu entendesse que os PMs erraram, eu não pouparia a autoridade maior de crítica, pois os PMs estavam implicitamente autorizados a se esbaldar, não só porque foram levados ao programa (não eram voluntários) como também reagiram dentro de um contexto esperado. É isso que estou tentando dizer. Sei que o ideal seria o fato não ter acontecido, mas estão pondo sal demais nessa comida. Há muitas coisas mais graves a serem criticadas, e, cá entre nós,esta é a questão, sem essa de colocar a instituição como se fosse um "exército de anjos" para condenar alguns "anjos maus". Isto, honestamente, pelo cunho político que tomou, me cheira a hipocrisia, o que não é nosso caso.