quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Sobre a justiça brasileira no atual contexto político

“Recorrer a um tribunal para obter justiça é como ir a um fotógrafo para extrair um dente.” (Pitigrilli)


O Brasil vivencia um momento importante em virtude do mensalão. A constância de opiniões jurídicas e políticas divergentes sobre um mesmo fato jorra luz sobre dois antigos fundamentos da Ciência Política: a legalidade e a legitimidade. Dizem os estudiosos do ramo que numa democracia a legalidade deve atender à legitimidade, uma sobrepondo-se à outra. Em outras palavras, presume-se que a lei, numa democracia, deva sempre atender aos anseios e valores populares, cabendo aos seus representantes eleitos aguçar a sensibilidade no sentido de compreender e acolher como imposição política esses anseios e valores, tornando-os leis. Isto, sem embargo, é utópico, e por diversas razões, sublinhando-se o fato de a sociedade ser multifacetada em extremos inimagináveis nos países de grande extensão territorial e de cultura multivariada, o que nos permite supor que ajustar uma lei aos anseios e valores da população como um todo é tarefa hercúlea, senão impossível.

Diriam alguns que tal variedade poderia ser alcançada na sua média por meio de pesquisas de opinião, outra utopia, já que não sabemos o que efetivamente representa a opinião pública natural e a decorrente da opinião publicada. Também não há nenhuma garantia de que o discurso de campanha política se traduza em vontade popular na sua prática: o Estado brasileiro é excessivamente intervencionista e paternalista... Enfim, a cada aprofundamento que se faz a conclusão tem de ser a de que a legitimidade não corresponde à legalidade no Brasil. Numa situação assim, de desnível total e absoluto de opiniões, vemos políticos recorrendo ao judiciário para desempatar suas divergências, em vez de eles mesmos, como representantes do povo brasileiro, discutirem o assunto à exaustão e decidirem no seu próprio quintal. Sim, deveriam abrir mais espaços para os segmentos representativos das diferenciadas sociedades e comunidades que em somatório conformam o todo da sociedade brasileira, se é que é possível juntar joios e trigos...

Claro que, em situações divergentes, os políticos recorrem ao Poder Judiciário bem mais por preguiça ou por fraqueza da Casa Legislativa, em especial os que fazem oposição por conveniência ou que se juntam à situação pelos mesmos motivos, aqueles das “fraldas” do Eça de Queiroz... E lá no Poder Judiciário a papelada se avoluma, cabendo ao Ministério Público discernir idiossincraticamente sobre os mais variados contextos políticos, assim como a Justiça se obriga a idiossincrasias sobre muitos temas mal situados no Congresso Nacional, lugar onde ninguém se entende e a maioria se submete, por interesses nem sempre claros, ao Poder Executivo, este que, aliás, também abarrota o Poder Judiciário com suas dúvidas incontornáveis ou suas discordâncias ante medidas opositoras do Poder Legislativo.

É nesta “torre de Babel” que a bizantinice prolifera a passos largos, pois é de se supor que não há nenhuma infalibilidade como valor absoluto no Ministério Público ou na Justiça (organismos ocupados por burocratas academicistas não eleitos pelo povo); mas, ao fim e ao cabo, a decisão, por ser ela irrecorrível, torna-se infalível e se acomoda acima da legitimidade e da legalidade, bens virtuais que se deveriam materializar para nortear os três poderes num Estado Democrático de Direito. Portanto, é difícil cobrar acerto desses poderes que não se entendem porque a democracia (legitimidade), que, segundo alguns, nem carece de leis (legalidade) no Brasil é piada. E de muito mau gosto, eis que forjada a partir de malfeitos...

É tão gritante o desajuste entre os três poderes, estes que deveriam ser harmônicos e independentes, que não é demais afirmar, – neste ponto em que me recolho à minha insignificância, – que vivenciamos uma autêntica “República das Bananas”, ou a República dos “Bruzundangas”, de Afonso Henriques de Lima Barreto, do qual extraio com muita dificuldade um texto (págs. 9, 19 e 20), dentre outros não menos magistrais, porém sugerindo a leitura completa do livro cuja capa está propositadamente postada de cabeça para baixo:

“(...). Bem precisados estávamos disto quando temos aqui ministros de Estado que são simples caixeiros de venda, a roubar-nos muito modestamente no peso da carne-seca, enquanto a Bruzundanga os tem que se ocupam unicamente, no seu ofício de ministro, de encarecer o açúcar no mercado interno, conseguindo isto com o vendê-lo abaixo do preço da usina aos estrangeiros. Chama-se a isto prover necessidades públicas; aqui, não sei que nome teria (...) Os samoiedas, como vamos ver, contentam-se com as aparências (...) Não há como discutir com eles, porque todos se guiam por ideias feitas, receitas de julgamento, e nunca se aventuram a examinar por si qualquer questão, preferindo resolvê-las por generalizações quase sempre recebidas de segunda ou terceira mão, diluídas e desfiguradas pelas sucessivas passagens de uma cabeça para outra cabeça.”


3 comentários:

Paulo Fontes disse...

NADA MUDOU NO PAÍS DOS BRUZUNDANGAS DESDE 1923
Lima Barreto escreveu esta profética, revolucionária e visionária obra em 1923 e desde então pouca coisa mudou e no país da BRUZUNDANGA qualquer coincidência com Pindorama é mera semelhança, a começar pela aplicação do substantivo feminino que pode significar "palavreado confuso, mistura de coisas imprestáveis, mixórdia, trapalhada, embrulhada"..
É uma obra póstuma de Lima Barreto. Uma coletânea de crônicas, onde o autor iconoclasta não deixa escapar nada.





O autor critica os privilégios da nobreza, o poder das oligarquias rurais, a futilidade das sanguessugas do erário, desigualdades, saúde e educação tratadas com desdém, enfim, mazelas parecidas às de um país real.

A política nesse país era cômica. Políticos eram nomeados pelo voto, mas quem votava não tinha a mínima idéia do que estava fazendo.
O presidente tratado por Mandachuva, que se fosse nos dias atuais seria MANDACHUVO, foi introduzido na política através do sogro que o queria em bom cargo para as filhas, chegou à presidência graças à sua ignorância e logo que se viu empossado se cercou de sua “clientela”.
A constituição da Bruzundanga foi feita por um pequeno grupo que se inspirou na constituição de Brobdining, o país dos gigantes. Porém, ela se afastou de tal princípio e passou a ser determinada a favor dos que estavam na “situação”, ou seja, os políticos e a constituição passaram a seguir favorecendo seus parentes e conhecidos.

Os jovens eram inscritos em coisas como o curso de venda ambulante de fósforos e de venda ambulante de gazetas onde eles tinham que apresentar documentos comprovando que sabiam pegar bondes em movimento.
Os sábios eram os que sabiam citar mais obras estrangeiras e aqueles que escreviam livros onde copiavam opiniões.
No país grassam oportunistas, apaniguados, retrógrados e escravocratas de quatro costados.
Sobre os usos e costumes das autoridades, escreve que não atendem às necessidades do povo, tampouco lhe resolvem os problemas. Cuidam de enriquecer e firmar a situação dos descendentes e colaterais.

Enquanto isto, a população é escorchada de impostos e vexações fiscais; vive sugada para que parvos, com títulos altissonantes disso ou daquilo, gozem vencimentos, subsídios e aposentadorias duplicados, triplicados, afora os rendimentos que vêm de outras e quaisquer origens.

A Carta Magna redigida por espertos (ao invés de expertos)preconiza: toda a vez que um artigo ferir interesses de parentes de pessoas da ‘situação’ ou de membros dela, fica entendido que não tem aplicação.

No fundo, todos flertam com a "situação" porque ela garante o continuísmo.

O Manda – Chuva (Presidente) criou a "Guarda do Entusiasmo", constituída de dez mil indicados sem concurso, uniformizados "de povo", com função de disciplinar e reorientar as aclamações e vivas da multidão.
Em Bruzundanga os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões diz Lima Barreto.
Agora sabemos porque uma obras dessa importância não é adotado na grade curricular das escolas não é mesmo!

Emir Larangeira disse...

Caro amigo Paulo Fontes

Seu comentário escorado na obra magistral de Lima Barreto é lapidar. Na verdade, Lima Barreto talvez tenha sido a mais dolorida pedra na chuteira dos mandatários políticos e dos burocratas, que, tais como os de hoje, mandam e desmandam em tudo e se servem a si fingindo que servem a terceiros, nós, os idiotas, que não reagimos.
Confesso que a cada crítica que faço ao sistema situacional (sociedade formal e estado), sinto um ímpeto incontrolável de citar Lima Barreto, em especial esta sua obra crítica, que não deve nada ao "1984" de George Orwell como crítica social e política.
Ideal seria que Lima Barreto fosse leitura obrigatória nas escolas e universidades pátrias, a fim de despertar o espírito crítico do brasileiro, este que pouco ou nada infere de útil deste holograma social que vivenciamos fingindo que somos cidadãos. Somos, na realidade, vigiados e punidos em nome de uma proteção paternalista nojenta. Não gozamos de nenhuma liberdade, somos parados em "leis secas" sob permanente e odiosa suspeição, mesmo que não tenhamos o hábito de consumir álcool ou outras substâncias estupefacientes. E vemos os petralhas protegendo os viciados em crack sem sequer se referirem aos que fornecem a droga aos miseráveis, que, a pretexto de terem a sua liberdade garantida, são deixados nas ruas para morrer em número a mais e mais volumoso. Eta país hipócrita! Eta sociedade resignada e dissimulada em "politicamente correta", além de consumista ao modo "global". Pior é que é esta sociedade que forjará nossos netos, assim como confunde hoje nossos filhos.
Obrigado pelo comentário!



Paulo Xavier disse...

A saudosa Aracy de Almeida diria que este é o "país das mumunhas".
Sobre o comentário do Cel Paulo Fontes, resumindo para os que não leram, como eu, o livro de Lima Barreto, parece até que o autor fala de Macaé das duas últimas décadas, ou seria mera coincidência com o desenrolar político-social atual da maioria das cidades brasileiras.
Sobre esta sociedade resignada e dissimulada citada pelo Cel Larangeira, gostaria de comentar algo. Na semana passada eu assistia em casa o filme sobre a vida de Zuzu Angel e seu filho Stwart. Eu estava na companhia de meu filho e sua namorada, dois jovens com curso superior, que me encheram de perguntas sobre aquele período histórico do Brasil e percebi que eles não sabem nada a respeito, ou estão bem confundidos a respeito.
Que rico texto para uma profunda reflexão.