quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

PARA LEVAR A SÉRIO


ALERTA EM BOA HORA

O artigo subscrito pelos promotores de justiça da AJMERJ e por uma pesquisadora é oportuno deve servir de paradigma para a tropa da PMERJ. Todavia, devo aproveitar para acrescentar algo que reputo importante em vista do alerta contido no referido artigo publicado no O GLOBO de hoje, dia 17 de janeiro de 2013, pág. 21. Devo, deste modo, ilustrar a mais e mais um problema que não é tão desconhecido da oficialidade da corporação, em especial dos oficiais que não aceitaram passivamente alguns métodos e critérios verdes-olivas inseridos na cultura intramuros dos quartéis militares estaduais durante a ditadura.

Creio que a cultura operacional da tropa tem muito de responsabilidade dos superiores hierárquicos, líderes naturais e motivadores do comportamento da base da pirâmide. Todos devem lembrar, por exemplo, do período em que a PMERJ instituiu dois prêmios deveras controvertidos: a pecúnia e a promoção por bravura. Tais benesses destinadas a motivar o combate nas ruas puseram o "rebanho" em polvorosa, quase que em permanente estado de "estouro da boiada". Sobre o assunto, grafei um capítulo no meu livro O Espião (vide site: www.emirlarangeira.com.br), que abaixo transcrevo na sua íntegra, para depois reiterar dois poemas que se encaixam como luva ao importantíssimo assunto trazido à tona pelos ilustres signatários. Eis, portanto, o capítulo de O Espião (capa na lateral do blog):

“ (...) 37 – TIROS PASSANDO PERTO

“Não me dei por abalado; levei-os ao cemitério como quem leva dinheiro a um banco.” (M. Assis – Memórias Póstumas de Brás Cubas)

Resmungos à parte saíram todos, comandados pelo capitão, em direção à favela onde, segundo o oficial, se homiziava uma perigosa quadrilha de assaltantes e sequestradores. Para os comandantes de guarnição o capitão alertara, em separado, que a informação estava confirmada, porque lhe viera de fonte ligada ao próprio chefe do tráfico, que, além de não gostar de misturar suas atividades criminosas com outras, estava preocupado em receber algum golpe traiçoeiro dos bandidos ocultos na favela. Por isso o traficante atravessou a informação sobre o paradeiro dos desafetos por meio de um líder comunitário que desempenhava uma espécie de duplo papel...

O capitão pediu aos sargentos e cabos comandantes de guarnição que anunciassem a missão aos seus comandados quando de caminho, procedimento comum para evitar que alguns deles buscassem disfarçadamente um telefone com o fim de alertar os bandidos.

Assim foi feito, e os milicianos chegaram, desceram e invadiram a favela sem haver qualquer reação dos soldados do tráfico. Cercaram a casa onde se homiziavam os marginais, que reagiram à prisão em cerrado tiroteio. Onayr pôde então constatar que ali seu desempenho não diferia do de ninguém: ele e os demais, abrigados, responderam ao fogo dos bandidos. E buscavam acertar no 5X do alvo, só que humano, um coração palpitando, não mais o alvo de papel lá do CEFAP.

Não lhes posso assegurar que Onayr tenha acertado tiro em alguém, porque, segundo me disse, ele se preocupara mais em se proteger, diverso de alguns milicianos que, com um destemor impressionante, partiram de peito aberto contra os marginais e os acuaram à força de impressionante poder de fogo. O cabo Luiz era um deles, assim como os demais, que, independentemente de hierarquia, – algo que não mais havia naquele momento de risco máximo, – irromperam como loucos contra os bandidos para resolver rapidamente o confronto.

Onayr se lembrou do sargento Asdrúbal e de seu filho. E não sei se me falou a verdade quanto a não ter acertado nenhum bandido... Foram, contudo, vitoriosos, e logo saíram com diversos corpos ensanguentados no interior dos porta-malas das viaturas, rumando velozmente ao hospital mais próximo, enquanto as nervosas guarnições comunicavam à Central de Operações: “Troca de tiros entre traficantes! Guarnições socorrendo feridos!”

Também lá foi Onayr se vangloriando intimamente por sua coragem em enfrentar o perigo. Sentia-se um verdadeiro Rambo enquanto a viatura queimava pneus no asfalto e vibrava o ar ao som estrídulo da sirene e ao pestanejar das luzes do giroscópio. E ia com o porta-malas cheio de gente, viva ou morta, ele não sabia nem se interessara em sabê-lo.

No hospital, o médico recebeu no setor de emergência os corpos lavados em sangue, logo colocados nas frias macas metálicas aos gritos dos milicianos “São bandidos! São bandidos!” E não tanto tempo depois um “consternado atendente” comunicava aos “preocupados milicianos”: “Infelizmente não resistiram aos ferimentos e morreram...”, o que logo foi comunicado à Central de Operações: “Os bandidos morreram ao dar entrada.”

Sim, assunto resolvido, porque, em ocorrências como esta, – em que é sempre difícil saber quem acertou e quem errou, além de ser usual a milícia se enfiar no meio dessas disputas ferozes entre bandidos, – não se aplicava a sugestão de Machado de Assis: “Os mortos ficam bem onde caem.” (Memorial de Aires), mas uma outra, inventada por algum anônimo miliciano: “É melhor ser julgado por sete do que carregado ao sepulcro por seis.” E outro mais afeito ao anonimato ainda o diria: “Testemunhas?... Nem de defesa!...”

Desta feita, porém, os tiros passaram muito perto de Onayr, e ele pôde compreender o quanto é perigosa a profissão do miliciano, especialmente na linha de frente de uma Unidade Operacional em zona de risco. E se lembrou dos insidiosos arapongas, que certamente nunca enfrentaram ou enfrentariam situações assim, que culminara com seis marginais mortos e dois milicianos feridos. Pura sorte destes, que poderiam ter encerrado suas carreiras com a chegada antecipada da morte. Sorte?... Dali em diante os corajosos milicianos responderiam a IPM e ficariam marcados como “bolas da vez” pelos arapongas.

Onayr foi também bombardeado por perguntas, com o major encarregado do IPM sempre buscando provar que houvera exagero na ação. Nem o capitão escapou das suspeitas oriundas do quartel-general, que avocou a apuração do caso atendendo ao clamor de falsos líderes comunitários que mentiam dizendo: “A milícia praticara violência na favela e culminara matando inocentes...” Sim, porque alguns facínoras realmente não possuíam folha penal, o que dava aos protestos a legitimidade necessária. E logo entraram em cena os arapongas tentando inventar culpados, deste modo invertendo e subvertendo uma realidade que Onayr pôde pessoalmente constatar levando tiros. Tudo isso ele narrou aos pesquisadores, que a cada relatório que recebiam se trancavam em fisionomias preocupadas. Alguns até chamaram Onayr para conversar sobre os perigos em que ele estava metido até o pescoço. Mas não vou cansar os leitores reproduzindo esses diálogos, que só nos fariam retardar as narrativas seguintes."

Obs.: No texto de O Espião, publicado em 2006, o vocábulo “miliciano” decorre de “milícia”, do modo como estão dicionarizados (Vide o AURELIÃO), não se devendo considerar a informação mais recente, de número “5.”:

milícia [Do lat. militia.] Substantivo feminino. 1. Vida ou disciplina militar. 2. Força militar de um país. 3. Qualquer corporação sujeita a organização e disciplina militares. 4. Congregação ou agrupamento militante: milícia partidária; milícia católica. 5. Bras. RJ Grupo paramilitar, formado ger. por policiais, bombeiros, etc., da ativa ou não, que ocupa região dominada pelo tráfico de drogas, expulsa de lá os traficantes, e passa a cobrar dos moradores por segurança e outros serviços, como gás, água, transporte, etc.: “De acordo com o delegado .... o morador que não pagasse taxa de R$ 10,00 exigida pela milícia não recebia cartas endereçadas a ele, além de ser impedido de ter visitas e socorro médico em casa.” (Walesca Borges, em O Globo, 26.02.2008.) ~ V. milícias. [Cf. melícia.]

A milícia celeste. Rel. Os anjos; os bem-aventurados.

miliciano [De milícia + -ano1.] Adjetivo. 1. Relativo a milícia. ~ V. oficial —. Substantivo masculino. 2. Soldado de milícias.”


POEMAS

ESTOURO DA BOIADA / ANTÔNIO MIRANDA FERNANDES

Foi numa tarde junina de sol suado!
Vinha emergindo a boiada profusa...
Surgindo sobre passos arrastados,
Despontando da poeira ocre difusa.

Saía a boiama confusa e cadenciada
Ruminando e olhando para o chão...
E de sinos dispersos, as badaladas,
Iam tocando a massa em procissão.

Em balada profética de triste agouro...
Com pegadas de sofrimento no sertão,
Caminhando resignada ao matadouro
Mugindo! Entoando, estranha oração.

Por vezes... Uma rês cheirava o vento
Com olhar incendiado de condenado,
Bramia profundo e mórbido lamento
Mas ia, indiferente ao destino traçado...

Volvia à marcha da sorte derradeira...
Entrecortando a lamentação chorada
Tangida pelo “tocador” da bandeira;
Vermelha... Manchada e esfarrapada!

E os chocalhos na poeira dispersos...
Entoavam canto lúgubre e intrigante!
Desalentos, de uma nota só, em verso,
Mais tristes com o tanger do berrante.

Do peão que com esporas prateadas,
Montava cavalo de suor e salgado olhar
Que escorria pó pelas ventas molhadas
E ferraduras faiscando fagulhas no ar...

Quando quebrou em instante preciso
O galho de árvore que cai estalando...
Em cima de uma rês que... sem aviso,
É assustada e escoiceia disparando...

Outras que mugem, tropeçam e rolam;
Alando chispas braseiras num clarão!
Cabeças e chifres confusos se tocam...
O sangue jorra vermelho para o chão!

Chifram entranhas e solo encarnado,
Quente. Portas do inferno apartando...
Cavalos e bois de olhos arregalados
Que se chocam e os ossos estalando.

Cheiro de sangue, excremento e suor;
Corpos jogados no ar se contorcem!...
Bulício de cães feridos ganindo de dor
E, de mugidos ruminantes que morrem.

Homens que deixam viúvas distantes;
Fica frágil o valente, entregue à sorte...
O destino silencia mais um berrante!...
O forte sabe quando é hora da morte.

Filhos que vão crescer órfãos de pai...
Da desgraça farão história de valentia!
O mundo gira... Sob patas... E não cai
Com certeza, serão boiadeiros um dia


Eis o poema de Salgado Maranhão, prêmio Jabuti de poesia, feito em minha homenagem (sic):

“FARDA

p/ Emir Larangeira

Melhor se se chamasse fardo,
em vez de farda, – esse travel
cheque para o sacrifício –
a defender o indefensável.

Melhor se se chamasse alvo:
mural da ira acusadora
contra os próprios personagens
que lhe julgam protetora.

São, normalmente, pretos, pardos,
Pobres, sobras de etnias:
gente fabricada em série,
que ao perder, tira se outra via.

E prossegue o ritual
desse espetáculo de horrores,
de Caim matando Abel
numa guerra sem vencedores.

E prossegue essa torrente
do sangue que não socorre,
o drama de ser ver morrer,
do lado de onde sempre morre.

SALGADO MARANHÃO

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