domingo, 20 de janeiro de 2013

A estrutura policial brasileira em contraposição aos direitos do cidadão





















Um dos óbices mais graves que observo nas Polícias Militares pátrias começa com a sua estruturação à imagem e semelhança do Exército. Como se sabe, a força militar federal é estruturada em exércitos, divisões, brigadas, regimentos, batalhões, companhias, pelotões e grupos de combate. Trata-se de modelo piramidal, fixo, que é utilizado desde os primórdios, tendo como base a quantidade de tropa e sua subdivisão nesses moldes quase que inflexíveis para emprego no terreno (defesa ou ataque). Claro que algumas variações do modelo ocorrem em virtude da tecnologia empregada, mas a cultura é a de tropa massificada e de convocação imperativa (exército de conscritos), predominando a quantidade descartável em detrimento da qualidade (exército profissional). Não é, portanto, uma tropa de voluntários, de profissionais, a não ser nos casos de graduados e oficiais. O grosso da tropa, porém, é descartável, e a história das guerras bem demonstra que esses efetivos, ao serem destruídos, são repostos até alcançar adolescentes, pré-adolescentes e crianças, todos jorrados à morte em confrontos diretos com modelos inimigos estruturalmente idênticos. A diferença, mui pouca, aliás, sempre se deu na confrontação tecnológica e científica dos meios materiais e na velocidade de reposição desses meios.

É, sem dúvida, como demonstram antigos enlatados norte-americanos e europeus: um modo crudelíssimo de guerrear, pois se contam além do terreno os corpos mortos e aprisionados como principais louros da conquista. Enfim, bem diferente de hoje, em que a ciência e a tecnologia em avanço meteórico garantem a seleção de alvos materiais, estratégicos e vitais, bem mais que alvos humanos, embora alguns “erros de cálculo” costumem alcançar até civis indefesos. Mas os entrechoques não se dão corpo a corpo, a não ser em situações extremas que geralmente ocorrem no fim das guerras. Porque mesmo com toda a tecnologia os exércitos não abandonaram a presença do infante nos combates, com soldados portando armas de destruição individual e coletiva invencíveis, valendo como regra o melhor abrigo, a proteção do corpo (sempre e sempre “corpo dócil”), a surpresa, e fatores semelhantes que se consideravam no passado e ainda valem no presente.

Bem, falamos de guerras entre exércitos modelados em hierarquia piramidal e forte rigor disciplinar cuja quebra pode resultar na morte dos desidiosos. Mas nos casos das Polícias Militares pátrias a guerra é contra o crime, se é que é guerra, há de se ter cuidado com o vocábulo em vista dos direitos humanos... Ah, talvez melhor seja considerar a expressão "controle da criminalidade" num sistema de serviços policiais prevalentes, ou seja, a prevenção como regra e repressão como exceção, ou a existência de sistemas de força acionados para restaurar a ordem perdida por meio de ações operativas, que nem precisam ser militares e não ocorrem com frequência. Mas, se na maioria dos casos as PPMM não lidam com estruturas militares nos moldes do Exército para exercitar a atividade policial, a elas (estruturas militares) são obrigadas a se adequar por força de lei (não falo de os integrantes das PPMM serem militares, reclamo do formato como são dispostos para o cumprimento da missão constitucional de manutenção da ordem pública).

Verdade é que as PPMM lidam com importante ambiguidade estrutural, que se reflete direta e indiretamente na cultura profissional de polícia e prejudica o alcance eficiente, eficaz e efetivo dos resultados em vista de objetivos incertos e turbulentos gerados pelo crime no ambiente social. Sim, o inimigo não tem cara nem farda, e muito menos possui estrutura fixa. Por outro lado, ele tem recursos, mobilidade e domínio do terreno, o que falta ao sistema estatal destinado a controlá-lo e vencê-lo, eis que ainda atrelado a um “processualismo interno” impeditivo de inovações mais concernentes com os dinâmicos e multivariados objetivos que se lhe apresentem. Tudo, na verdade, situa-se na simplória cultura do “faço o que me mandam e missão cumprida”. Daí é que vemos blitze inúteis aborrecendo o cidadão, cerceado no seu direito de ir e vir sob uma incômoda suspeição a fundamentar esses e outros tipos de ação policial que visam a tão-somente informar ao público que a polícia está “ativa” (digo polícia, pois a regra vale também para as Polícias Civis, que costumam fazer blitze para “mostrar serviço”, quando deveriam estar investigando crimes).

É tudo muito simplório e visível, o modelo estrutural é esse, e a “tropa” precisa ser vista de algum modo para a população se sentir “protegida”. Ah, não há falsidade maior, a “tropa” é subdividida em duplas de radiopatrulha e semelhantes, tudo atrelado a “subsetores, setores, subáreas e áreas” de patrulhamento, e estes fracionados em roteiros fixos para permitir a vigilância e a punição dos que fogem à regra. Demais disso, há a fiscalização direta da estrutura espalhada como se fora “relógio de parede” (além de fixo, os ponteiros rodam sem sair do lugar), há as centrais de rádio que garantem o controle absoluto da cada PM posto nas ruas e logradouros, inclusive quando esse PM atende a ocorrências que, curiosa e paradoxalmente, já aconteceram, e ele chega depois... E assim ocorre porque, em sendo o patrulhamento um “relógio de parede”, e como nem todas as “paredes” têm “relógio”, e bandido não tem hora ou lugar para agir, claro que eles optam por praticar delitos no inevitável vazio deixado por uma polícia que precisa tomar conta de si em primeiro lugar para depois fingir que toma conta do cidadão.

Mas tudo isso é assim porque a origem de tudo é assim e é política. Basta conferir na Carta Magna a partir do Inciso XXI do Artigo 22 e depois cotejá-lo com o Artigo 144, demais de observar todo o conteúdo do “Título V” (“Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas”), este que deixa claro ser a defesa do cidadão e da sociedade uma questão secundária. Esta supracitada conjuntura é a que determina todo o resto: a estrutura voltada para fins internos do estado, e não para o interesse maior da sociedade que o criou para protegê-la. E o fato de ser assim (estado protegido e não protetor) é que determina a cultura que desemboca na atividade policial e incide sobre o cidadão contribuinte sob a forma de repressão dissimulada em prevenção, como são as blitze engendradas para “inglês ver”, sem falar nos pardais eletrônicos em tocaia permanente contra o cidadão para lhe tomar mais dinheiro além dos onerosos impostos que ele é obrigado a pagar...

Ora, na medida em que o cidadão é instado a parar seu veículo para sofrer uma vistoria impertinente, isto não é prevenção alguma, é repressão a troco de nada. E sem essa de o estado (a polícia) poder atuar sob o princípio da “fundada suspeita”, que é outra coisa: significa parar algum carro, – não em blitz adrede determinada em dia, hora e local, – mas algum carro que passa e merece suspeição por haver recomendação no sentido de fiscalizá-lo especificamente (carro furtado, roubado ou antes utilizado na prática de crime).

A verdade é que sob o manto do “poder de polícia” muitos abusos são praticados, em especial contra o direito de ir e vir do cidadão e contra a sua tranquilidade jurídica supostamente conquistada e consolidada num “estado democrático de direito”. Sim, com efeito, é regime político apenas supostamente livre, pois num país civilizado e verdadeiramente democrático o cidadão não é tão incomodado como aqui, e a polícia costuma incidir em repressão sobre alvos certos e sabidos (não como aqui...). Esta é a regra, e a exceção são as situações de emergência em que a anormalidade ocorrida justifique a medida extrema de parar todos os cidadãos numa barreira e lhes impor o constrangimento da revista policial em seus carros, em suas coisas e nas pessoas que os acompanham, incluindo-se as crianças. Mas, aqui, esta é a regra...

... Cá entre nós, esta é a regra que parece interessar aos ladrões de casaca que passam ao largo das leis vigentes, que não se preocupam com multas nem com perdas de pontos em carteiras de motorista, pois para isso existem seus motoristas descartáveis, tais como são os policiais. Esta é a regra dos mensaleiros e equivalentes, dos dançarinos parisienses e de muitos que amam o poder como propriedade particular e não como responsabilidade e amor ao interesse público. Esta é a regra dos pilantras de ontem, hoje e sempre... E eles não querem mudar a conjuntura gravada a ferro e fogo no Título V da Carta Magna, exatamente este que reforça outros dispositivos constitucionais e leis referentes, que funcionam como amarras intransponíveis contra o cidadão decente e não alcançam o bandido elegante e às vezes nem o pé de chinelo... Enfim, os intocáveis engravatados não querem uma polícia eficiente, eficaz e efetiva na defesa do cidadão e da sociedade! Pretendem-na fraca e por isso desmoralizada diariamente nos meios de comunicação para não receber apoio da sociedade no sentido de mudar para melhor...

Um comentário:

Paulo Xavier disse...

Cel Larangeira.
Talvez eu seja a pessoa menos indicada para tecer qualquer comentário sobre este assunto, já que sou um discípulo reprovado ao longo do curso e o texto foi elaborado por quem considero um mestre.
Nos meus 9 anos atuando como Policial Militar, a maioria deles nas ruas, vivi situações tão inusitadas que se contasse, a maioria diria que estou mentindo ou blefando.
Já levei uma pandeirada no rosto, de um folião em período de carnaval, eu dentro de uma viatura policial e ele na rua cantando em alto e bom tom "se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão", com o pandeiro quase dentro da viatura. Não vou contar detalhes, mas vou resumir esse caso. Ficamos respondendo um processo; eu por agressão e ele por desacato à autoridade.
São vários casos que só quem está nas ruas, convivendo com drogados, bêbados, bandidos covardes e audaciosos e toda espécie de gente, conhece o calor da panela.
Vejo também uma mídia tendenciosa onde dá mais ibope noticiar que o poste está mijando no cachorro, que o contrário.
Neste final de semana eu estava conversando com minha mãe e comentei com ela que no início de 1973, ela me disse para eu não entrar para a PM, para ficar em Macaé mesmo que lá em Niterói é muito perigoso, que tem muito bandido e muita gente ruim nas ruas . Ela estava certa!