sábado, 1 de dezembro de 2012

Sobre as mordomias do BEP/PMERJ, a extinção das Auditorias de Justiça Militar estaduais e outros assuntos recorrentes

As Polícias Militares (PPMM) pátrias sempre se situaram no mundo como uma garrafa com líquido até a metade: meio-cheia ou meio-vazia... Melhor seria se trocassem de garrafa para conter o líquido na medida certa, mas não trocam e não sei se por pressão de cima ou comodidade de baixo, tenho cá minhas dúvidas. Mas a questão é que antes da ditadura as PPMM cumpriam rigorosamente a sua condição de força auxiliar reserva do Exército, permanecendo aquarteladas e submetidas aos mesmos treinamentos e regulamentos da força militar federal. Enfim, eram somente força e raramente se apresentavam para prestar serviço policial, a não ser em grandes eventos e não sem um rigoroso controle de suas ações pelos Comandos Regionais do Exército. Enfim, as PPMM não passavam de forças de infantaria estaduais prontas para uso pela força federal, claro que assim treinadas e formando verdadeiras tropas de infantes. 

Curiosamente, a Contrarrevolução de 1964 (é como prefiro) pôs as PPMM a policiar as ruas e logradouros com base num sistema de distribuição dos seus efetivos estruturados, ainda como hoje, à imagem e semelhança do Exército: grupos de combate, pelotões, companhias, batalhões, regimentos etc. O sistema, bem simples, consistia em fracionar o terreno em área, subárea, setor, subsetor, roteiro e ponto-base, respectivamente acolhendo efetivos de batalhões, companhias, pelotões e frações. Tudo simples e prático e partido do discutível pressuposto de que o policiamento ostensivo seria inibidor da oportunidade de o delinquente agir em vista do risco de ser avistado e preso em flagrante. Só que, por óbvio, esse sistema estava longe de ser onipresente e muito menos onisciente e hoje permanece mais alienado em vista de um todo ambiental (ambiente geral) muito mais amplo e complexo que supunham os mentores do sistema de policiamento ostensivo (homens fardados e embarcados em viaturas caracterizadas). 

Inobstante o empenho da tropa mui bem treinada, o serviço na prática tornara-se visivelmente robotizado, com a supervisão em seus diversos níveis a garantir que a roda rodasse sem jamais escapulir do eixo, como sói acontecer com um relógio. Ainda com o foco nesta alegoria do relógio, não é demais afirmar que ele nasceu preso à parece, não podia nem pode circular no pulso de alguém. E na medida em que o tempo escorreu, a população aumentou, e os problemas de diversificaram e se tornaram invisíveis, as PPMM foram ampliando seus meios materiais e humanos sob a famigerada pressão popular por “mais policiamento nas ruas”, chavão sempre exaltado também pelas PPMM interessadas em aumentar seus efetivos para acomodar oficiais e graduados a mais e mais volumosos no efetivo e necessitando de estruturas para justificar a criação de vagas de postos superiores. Enfim, um círculo vicioso que prevalece ainda hoje, pois é certo que todo cadete sonha ser coronel e comandar a sua PM, claro que antes comandando seus batalhões, regimentos etc. 

Por conta desse militarismo auxiliar surgiram as leis disciplinares, os estatutos, e as leis penais militares se voltaram também para o quengo dos policiais militares hoje designados “militares estaduais”. Daí a aparente necessidade da existência de Justiça Militar Estadual para suprir a lacuna de um militarismo auxiliar do Exército Brasileiro. Tudo muito surreal, se atentarmos para o fato de que as PPMM desde muito atuam como polícias administrativas prevenindo e reprimindo delitos, e muito menos se voltam para a atividade militar, esta que, no Brasil, não ultrapassa o limite do treinamento em vista de alguma remotíssima hipótese de guerra. 

Nesse conturbado contexto é que emerge a idéia da extinção das Auditorias de Justiça Militar Estaduais, parecendo-me uma boa lembrança, pois é o primeiro passo para tornar o labor das PPMM mais civilista e menos militarista. Porque é certo que uma decisão desse porte representa uma arrasadora destruição de mitos nas PPMM, dentre os quais destaco: em 1983, em pesquisa encomendada ao IBOPE pela PMERJ, constatou-se que os defensores da Justiça Militar eram oficiais, estes que raramente são réus e geralmente ocupam a cômoda posição de juízes dos Conselhos de Sentença. Já as praças abominaram a Justiça Militar, deixando evidente a preferência pela Justiça Comum. Bem, não sei nos demais Estados Federados, mas aqui no RJ o resultado foi surpreendente: a praça prefere ser julgada pela Justiça Comum. 

Quanto ao BEP, esta é mais uma aberração, pois, afinal, local de prisão de militar é quartel, conforme prescrevem seus estatutos e seu regulamentos disciplinares, que seguem o rito do respeito à hierarquia e à disciplina. E as regalias estabelecidas nesses instrumentos legais vêm de muito atropeladas pela própria instituição e pela Justiça Comum, baderna que hoje chegou ao cúmulo de se trancafiar coronéis em Bangu1 e em Catanduva, significando muito mais vingança que punição moldada no direito constitucional pátrio e leis referentes, ambos atropelados por sugestões ministeriais e decisões judiciais típicas de quem manda acima das leis vigentes. Chama-se isto anomia, um absurdo em se considerando que o Brasil vivencia o Estado Democrático de Direito. Ou melhor, deveria vivenciar, mas longe está disso... Portanto, é bem-vinda a ideia do eminente ministro presidente do STF e do CNJ, Joaquim Barbosa, tal como se manifestou à imprensa: “É uma Justiça que poderia muito bem ser absorvida pela Justiça comum, não é? Porque não há qualquer necessidade para sua existência.” Ele tem razão! 



Sugestão de consulta: Lei 443, de 1º de julho de 1981 (Estatuto da PMERJ), Art. 48, caput, Inciso I; Decreto nº 6.579, de 05 de março de 1983 (Regulamento Disciplinar da PMERJ), Art. 27 a 30 e seguintes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Dessa vez voce ficou maluco de vez, estou com pena de voce Misoca.

Belzeba