domingo, 9 de dezembro de 2012

Festejando a morte


A violenta resistência do banditismo à ocupação do Complexo do Alemão faz sentido. Afinal, trata-se de local emblemático e notório pela dificuldade de a polícia incursionar nos seus meandros formados por morros e vielas sem rumo certo e sabido. O emaranhado do traçado informal garante a vantagem do domínio do terreno aos bandidos, muitos dos quais anônimos e capazes de se confundir com a paisagem local. Deste modo, – e em sendo precário o trabalho da inteligência policial nessas circunstâncias em que o terreno é mais estudado em mapas do que vivenciado nos seus complexos detalhes, – é normal compreender as reações e as dificuldades de superá-las tão veloz e definitivamente.

A ação de conquista e ocupação, diante do que hoje se constata, não penetrou o conteúdo do problema: manteve-se no continente visível de um banditismo que foi momentaneamente expurgado em vista do volumoso aparato estatal de conquista associado ao oba-oba de uma empolgada imprensa que se viu finalmente vingada pela morte de Tim Lopes. A correria no alto do morro levada ao mundo representou o emblema duma vitória que hoje, infelizmente, se resume ao “Dia D” em que a imagem do pomposo comandante-geral sobre um tanque das Forças Armadas, – emitindo seu “ultimado de rendição”, – ocupou as primeiras páginas dos jornais e a capa do seu singelo livro narrando a “épica conquista”... Ora, a imagem dele prestando continência à tropa é contundente, mas é mero holograma da realidade diversa que ali se representa fortemente pela morte estúpida de policiais militares abatidos como inofensivas lebres em temporada de caça.

Mesmo assim, todavia, não se pode conceber a causa do Complexo do Alemão como perdida. Afinal, morrer em combate faz parte da saga do PM (no fim de contas, estariam eles naquele lugar também para morrer?...). Ora, a morte em combate se justificaria durante o combate e não em plena pacificação em que o combate não mais se conta como hipótese em planejamentos calcados em dados reais supostamente produzidos pela inteligência policial. Portanto não há como admitir normalidade nas mortes ocorridas no Complexo do Alemão, todas em tocaia perpetradas por bandidos fortemente armados e decerto dominando o terreno no seu conteúdo ainda não varrido pelas forças policiais e militares, tornando a conquista uma peça de faz-de-conta de um teatro de horrores que consegue lavar o sangue da véspera para promover um musical poucos dias depois, como se nada o houvesse tornado injustificável. Será que dedicarão aos PMs mortos pelo menos um minuto de silêncio?...

Cá entre nós, como pode haver alguma “Uma noite Feliz no Complexo do Alemão” no próximo dia 15, ou seja, quase que antes da Missa de Sétimo Dia pela alma do PM Fábio Barbosa da Silva, assassinado em tocaia mesmo integrando um comboio policial?... E nem tanto tempo faz do nosso espanto de ver tombar morta a PM Fem Fabiana naquele complexo favelado que se prepara para acolher o grande evento festivo. E não duvido que a subserviente corporação ponha lá sua Banda Sinfônica a engrossar o caldo da hipocrisia estatal e midiática que intenta assim bater a tampa de um caixão que nem ainda se deteriorou na cova da desgraça de mais uma família militar estadual enlutada. Também é certo que os bandidos ainda homiziados no Complexo do Alemão, que de burros e covardes nada têm, ponham-se em cautela diante do aparato policial que decerto lá estará a garantir o sucesso do espetáculo destinado a produzir na sociedade um esquecimento mais rápido. Bem, que assim seja! Mas que fique aqui o registro de mais esta hipocrisia estatal íntima de um modelo de intervenção policial que avançou em demasia e não mais enxerga a retaguarda, tal como o enregelado exército napoleônico nos campos da Rússia!...

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