quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A vergonha de Duque de Caxias

Ressalvada a vergonha por que passa a corporação e seus integrantes que não admitem arreglos com bandidos (maioria), o episódio da prisão em massa de PMs do batalhão de Duque de Caxias lembra um aquário lotado de peixes de valão, os famigerados barrigudinhos. É simples compreender a alegoria: imaginem os barrigudinhos nadando num aquário apertado e sem comida; depois deem a eles uma nota de cem reais e não sobrará pedaço na água suja que os acolhe como habitat. Imaginem também outro aquário, este acomodando peixes prateados e doirados, dentre outros multicoloridos demonstrando raridade. Joguem dentro uma nota de cem, picadinha, e ela talvez não seja consumida a não ser por alguns famélicos peixinhos que também não se contentam com a cota de ração que recebem. Agora imaginem todos esses peixes num só aquário disputando a nota de cem como meio de saciar a fome, sendo certo que alguns a comerão por pura intemperança. E me vem uma indagação: será que se a ração tivesse qualidade e fosse servida com parcimônia, as notas de cem boiariam ante a indiferença dos barrigudinhos nascidos em valões fétidos e ante a esquivança dos privilegiados peixes decorativos nascidos em águas cristalinas, mas que agora habitam o mesmo aquário? 

Jean-Jacques Rousseau disse que “o homem é por natureza bom e afável e a vida em sociedade o deturpa.” Há outras versões da mesma frase cujo sentido, porém, não se altera: “O homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe.” Enfim, estamos diante de seis dezenas de PMs de um só batalhão se corrompendo para o tráfico, e nada impede de se presumir que esse mal é generalizado e em breve afetará outros batalhões e regiões onde o tráfico impera com seu poder de viciar e corromper policiais. Paradoxal é que o volume de dinheiro distribuído aos policiais corruptos (barrigundinhos) é expressivo, embora saído não de nenhum banco, mas de lugares paupérrimos (favelas,) indicando uma clara e promíscua relação entre os rotos traficantes eos esfarrapados PMs. Claro que sabemos que o bandido cumpre sua finalidade de ser bandido e o policial se desvirtua da sua função de protetor da sociedade. Afinal, ele deve ser íntegro mesmo que receba larvas para comer, tais como os barrigudinhos habitantes dos riachos assoreados. Mas estes foram pescados em rede estatal e postos num aquário carente de alimentação, até mesmo de desprovido de larvas... 

O problema do aquário de Duque de Caxias, depois de tantos exemplos de barrigudinhos e de aquários diversos já antes desvelados, tende a ser generalizado. Por conseguinte, a prisão de algumas dezenas de PMs não deve ser vista como exemplo de eficiência do sistema estatal, mas indício de avançada entropia. Porque é no mínimo ingenuidade compartimentar o grave episódio e compactá-lo em direção ao andar de baixo, ou reduzi-lo a apenas um aquário de água suja apinhado de barrigudinhos. Também não se pode imaginar que peixes prateados, doirados e multicolores estejam todos de farda azul. Porque há os aquários dos peixes de terno e gravata, todos comendo da mesma ração do tráfico traduzida em dinheiro, votos e poder político, e que depois se põem a serviço de traficantes. Também se iludem os que pensam que os rotos traficantes nadam em dinheiro a ponto de alimentar a corrupção na ponta da linha com seus ganhos. Na verdade, eles são assalariados dos tubarões do tráfico que ocupam aquários de luxo do tamanho do mundo. São estes que determinam os valores a serem distribuídos aos aquários de barrigudinhos e a outros tantos acolhedores de peixinhos de luxo contados a unidades e não por apanhados de mãos cheias, como são os barrigudinhos retirados dos valões para aquários sem ração, a não ser a que a eles é destinada em pequenas porções, que não matam a fome, antes de tudo a estimulam. 

Esta é a situação, deprimente, mas que indica a falência geral de uma sociedade corrompida em todos os seus segmentos, dentre os quais aquele que anuncia com estardalhaço que os barrigudinhos foram pescados, mas ele próprio é um cardume de barrigudinhos postos em outro aquário e mal alimentados: a imprensa. Enfim, vale a frase de Rousseau sobre a capacidade da sociedade de deturpar o homem bom que está em tudo que é canto e lugar, inclusive e também na PMERJ, claro. A questão da PMERJ, no entanto, terá a resposta devida, os homens estão presos, serão expulsos, condenados etc., tudo como mandam as regras escritas, a moral e os costumes. Quanto às regras, elas são duras e descerão sobre os quengos dos corruptos, que, dentro de pouco tempo, não serão mais que página virada do esquecimento social. Sim, mas pagarão eternamente o preço dos seus malfeitos: suas famílias se envergonharão, seus filhos deixarão os colégios cabisbaixos e a tragédia se abaterá sobre eles e seus familiares sem que se possa defendê-los; para eles, não há nenhuma defesa possível nem justificativa plausível: são desgraçadamente corruptos, assumidos e conscientes. 

Mas fica no ar a impertinente indagação: quantas condutas erradas contribuíram para esse descontrole? Quantos superiores deram maus exemplos a estimular exemplos máximos de desídia da tropa? Serão somente os alcançados pelas gravações os envolvidos na corrupção do tráfico? E as demais formas de corrupção que permeiam a profissão policial num país em que a sociedade anda errada já sabendo ser capaz de comprar a indulgência policial, caso seja apanhado em flagrante de crime ou contravenção?... Num país onde o crime de sangue é banal, quais seriam os valores (ou desvalores) a nortear os crimes de corrupção ativa e passiva? Num país de mensalões milionários e outras formas de corrupção em larga escala no meio político, como convencer o barrigudinho a não devorar a nota de cem? Num país onde a corrupção atinge até o judiciário com benesses cartorárias e de massas falidas, como convencer os barrigudinhos que ele é um errado, um criminoso, um inimigo da sociedade? Ora, que sociedade é essa em corruptores e corrompidos estão sempre na base da pirâmide trocando seus favores traduzidos em poucas moedas, com ressalva do mensalão, uma raridade no contexto geral da corrupção que assola o país como a peste negra? De que adianta aprisionar alguns Rattus rattus cheios de Xenopsylla cheopis contaminadas pela Yersinia pestis, se milhões deles continuam nos esgotos se proliferando sem risco de erradicação?

2 comentários:

Anderson Caldeira disse...

Por textos como esse que sempre aqui aporto!
Essa visão realista e lúcida deveria ser colocada em rede nacional...
A quem ou a quais estruturas interessam somente divulgar que os "barrigundinhos são a expressão máxima da corrupção"????

Paulo Fontes disse...

Caro amigo Larangeira,
Este artigo beira a perfeição no seu conteúdo, na sua forma,na análise e na conclusão.
Vivemos num país onde um ministro do STF sugere que as penas que foram aplicadas aos mensaleiros deveriam ser pagas em valores pecuniários.Vivemos numa sociedade onde os verdadeiros tubarões desfilam sem serem importunados só que não nos esgotos mas nas altas passarelas do "gran monde", ao invés de estarem presos em Bangu, sem regalias especiais ou mordomias.
Mas um país como o nosso hierarquizado e cheio de privilégios isto não acontecerá jamais!