segunda-feira, 15 de outubro de 2012

UPPs: novas conquistas

 Fonte: Jornal O GLOBO de 15 de outubro de 2012


Muitos leitores reclamam de minha oscilação quanto às UPPs, que ora elogio, ora critico, formando um emaranhado de inferências positivas e negativas e pouca ou nenhuma conclusão. Defendo-me dizendo que os fenômenos sociais são complexos e não devem se fixar em reducionismos do tipo “pronto e acabado”. Penso que sigo a tendência dos movimentos sociais, dentre os quais os vinculados à segurança pública, que são ainda mais incertos e turbulentos. Entendo que os fenômenos sociais seguem o modelo que a Teoria da Administração designa como “contingencial”, ou seja, tudo é relativo, nada é absoluto. 

Não posso, pois, me deixar levar por idiossincrasias a atenderem minhas eventuais insatisfações pessoais e políticas. Sei que as pessoas passam e as instituições permanecem. É o caso da PMERJ e das demais instituições policiais e organismos afins, que existem e sempre existirão no mundo. É assim desde que as sociedades apostaram da delegação de seus poderes individuais e coletivos a um organismo neutro destinado a gerir a convivência social: o Estado. Ocorre, porém, que não existem organizações sem pessoas, e neste ponto sou obrigado a reconhecer que são as falhas em contraposição aos acertos que tornam a vida animada. Afinal, a vida é feita de atritos constantes entre a tese e a antítese, resultando daí a síntese, que logo se torna tese e dá de cara com seu contraponto (antítese) em evolução constante rumo ao... Não sei! 

As UPPs seguem os mesmos princípios norteadores ou desnorteadores da convivência social. Não há uma regra que seja sempre a mesma. Não há lei que se eternize. A movimentação coletiva é afetada por muitas variáveis, em especial pela tecnologia a alterar o ambiente, quiçá até com o risco de sua total destruição, bastando para tanto apertar um botão fora de hora. Sim, as guerras e revoluções estão gravadas na História da Humanidade como reais possibilidades ontem, hoje, amanhã e sempre. Melhor então é pôr na mesa e na mente todas as alternativas em busca da paz e da harmonia na convivência social, o que os especialistas denominam ordem pública. Claro que basta existir o conceito de ordem para aflorar o de desordem, sendo certo que não se deve traçar uma fronteira rígida entre ambas as situações, pois há muitas desordens que reproduzem novas ordens formais e informais. E vice-versa: o que é socialmente inaceitável e ilegal hoje poderá ser aceitável e legal amanhã. 

Há, com efeito, muitas variáveis negativas e positivas gravitando em torno das UPPs. De tal modo que seria ainda injusto fechar questão quanto à validade ou invalidade delas em termos de permanência no espaço e no tempo. Numa visão otimista, poderíamos situar as UPPs como modelo operacional de sucesso, embora a PMERJ, não sem motivo palpável, já esteja anunciando a criação de uma Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM) somente para investigar delitos envolvendo o efetivo das UPPs. Claro que onde há fumaça há fogo, e seria precipitado de minha parte entender como paranoia punitiva a decisão anunciada, embora seja singular o dizer de Cícero (De Officiis, I, 10, 33):“Excesso de justiça, excesso de injustiça”. Enfim, é a cúpula da PMERJ quem levanta dúvida quanto ao ascetismo do efetivo das UPPs, condição proclamada desde o início pelas autoridades e atribuída aos novatos supostamente puros em detrimento dos antigos supostamente pecadores. 

A afirmação institucional centrada na ausência de vícios dos recrutas, como se o ambiente social não os tivesse influenciado antes do ingresso na PMERJ, é no mínimo quixotesca. Comparar os recrutas aos “300 de Esparta”, como determinada revista fez, para exaltar a decisão pelos novos a ocuparem as comunidades pacificadas, sugere certo irrealismo que agora vem à tona com o anúncio da criação da DPJM exclusiva de UPPs. Bem, talvez a medida guarde relação com o inegável fato de que as UPPs estão a mais e mais mescladas (antigos supostamente viciados ombreando novatos supostamente puros). Esse baralhamento de pessoas antigas e novas é inverso ao discurso inicial das autoridades, o que põe as UPPs, neste aspecto, no centro da dúvida. Afinal, como conciliar contrários para que a uniformidade do comportamento tenda ao ascetismo? Como o novato puro influenciará o antigo impuro?... Ou o contrário?... Hum... Será que é mesmo assim a realidade?... 

 Sendo ou não, as UPPs seguirão em frente, agora com o anúncio de ocupação do Complexo de Manguinhos e da Favela do Jacarezinho. O primeiro impacto visual do lado de dentro dessas comunidades é arrasador: miséria extrema e impressionante sujeira acumulada, poluição visual que justifica o título da matéria em destaque. Enfim, máxima desordem social e pública a sair da zona de escuridão, como se ali não fosse um pedaço do Brasil. Portanto, e com otimismo e animação, rogo que a PMERJ siga em frente, sim! Mas que não olvide a retaguarda como fez Napoleão na Rússia... Ah, em tempo ainda e não menos ufanista proclamo sem adjetivos: “O BOPE é o BOPE!”

2 comentários:

Anônimo disse...

A culpa é sempre da PM?

A polícia espelha a sociedade. É assim no Chile e na Itália com os carabineiros. É assim na França com os gendarmes. Interessante, são o orgulho da nação. Seus homens vêm da própria sociedade, vocacionados, filhos de famílias de todos os níveis econômicos e sociais, não raro doutrinados e estimulados desde a infância a seguir a carreira policial militar. Afinal, como bem diz a canção do policial militar carioca, "ser policial é, sobretudo uma razão de ser".

Algo, no entanto, é diferente no Rio de Janeiro. Está errado, a sensação não é boa. A população não se orgulha e sequer confia na sua polícia. Os jovens de classes sociais favorecidas e aqueles que têm a rara oportunidade de escolher seu futuro se esquecem da polícia como carreira. Interessante de novo. Nossa Polícia Militar ostenta o símbolo da coroa da corte de D. João VI, tem mais de 200 anos, gerencia-se sozinha e pode receber profissionais de quase todos os ramos de atividade. Combatentes, médicos, padres, veterinários, músicos e uma gama enorme de profissionais. Porque, então, o que vemos no dia a dia? Maltrapilhos, assassinos de crianças, corruptos.

Interessante mais uma vez. No comando, pelo menos agora, homens íntegros, bem preparados, de boas famílias. Um filósofo formado na UFRJ com grande capacidade de combate. Casado com um anjo que sempre foi exemplo de dignidade no desempenho de suas funções de oficial do quadro feminino. Cercados por oficiais de caráter inquestionável. E nas ruas? Questiona-se sempre se quem atua na rua não é quem deveria ser. Talvez se mais fiscalizados pelo comando, ou pela própria sociedade. Que sociedade? A que sempre acha que uma pequena infração não é infração? Aquela que cultiva o hábito de propor algo em troca do perdão, da "vista grossa", do jeitinho? Será que se teria exigido dez mil reais para que um jovem infrator, assassino, pudesse ser liberado impune se nossa sociedade não fosse habitualmente conivente com o perdão regado a corrupção?

A PM do Rio seleciona e treina exatamente os membros de sua população e não alienígenas. A constante insinuação de que não são bem treinados e escolhidos não pode mais ser aceita. Os concursos são permanentes, às vezes mais de um por ano. O treinamento é rigoroso, mas dirigido àqueles que a escolheram e por instrutores de seu corpo. Todos espelham a realidade, esta sim, provavelmente incompatível com o que se deseja e com o que a sociedade pratica em sua rotina cotidiana. Se fosse inaceitável corromper não seria possível ser corrompido. Se os valorosos fossem selecionados o treinamento seria de melhor nível e os resultados menos desastrosos.

Se os bons escolhessem a polícia, a população seria dela orgulhosa e a apoiaria. Acidentes acontecem. Omissões, desmandos e incompetência não podem acontecer. Tudo tem que ser revisto, e já. A PM precisa e merece ser escolhida como carreira de sucesso, precisa reconhecer e estimular quem tem valor, quem quer fazer bem feito, quem seria exemplo de caráter, de dignidade e de competência. A sociedade, por sua vez, esquecer a "mão na cabeça" e exigir o correto.

Emir Larangeira disse...

Concordo com o comentário da primeira letra ao ponto final, sem nada acrescer, ele se basta em si em todos os sentidos.