sábado, 6 de outubro de 2012

Sobre "milícias"

Quando a Lei nº 12.720 foi sancionada pela Presidenta Dilma Rousselff em 27 de setembro do corrente ano, falei sobre ela em artigo destinado a jornal regional. Agora, ante a opinião em destaque, grafada pelo eminente Promotor de Justiça do MP/RJ, Dr. Claudio Varela, publico aqui o artigo e acrescento alguns comentários. 

1) Paz nas eleições: realidade ou mito? 

Já vigora o crime de “milícia privada”. A lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012, sancionada pela Presidenta Dilma Rousselff, altera o Código Penal e prescreve pena de reclusão de quatro a oito anos para quem infringi-la. E basta a prova da existência de organização criminosa com característica de “milícia particular” para a borduna judicial acertar o quengo dos integrantes desse tipo de grupo agora formalmente criminoso.

Grafei as duas expressões legais caracterizadoras da “milícia” porque não é à toa que o vocábulo vem acompanhado de adjetivo. Afinal, a PMERJ é uma milícia pública, assim como outras organizações públicas mundo afora, e ficaria vago se o substantivo “milícia” nascesse ao sabor de interpretações dúbias. Porque, demais de o vocábulo original significar “vida ou disciplina militar”, ou “força militar de um país”, dentre outras designações, como nos informa o Aurelião, a milícia pode até ser de Anjos... 

Claro está, portanto, que o crime se refere a milícias particulares ou privadas. Mesmo assim, nos aflora um manancial de aplicação nos dias atuais. Tanto que não mais interessa explicar a origem das milícias particulares ou privadas: a partir da sanção da lei, criminalizando-as, basta provar a existência delas no mundo para enquadrá-las no crime, o que, em alguns casos, será fácil. Em tese... 

Como estamos em tempo de eleições, – e dentre muitos crimes eleitorais (crimes de fraude) podemos acrescer os crimes de sangue (homicídios) com políticos vitimados aqui, ali e acolá, – vamos no ater, apenas como exemplo, a São Gonçalo, famosa “Terra de Malboro”, onde muitos vereadores com mandato foram assassinados a tiros. Talvez não por serem políticos e possuírem adversários, mas por serem ligados a grupos de extermínio com características de “milícias particulares” (fiquemos com esta expressão). Exemplos?... 

Reportemo-nos a alguns episódios sangrentos mais recentes e suas vítimas: vereador “Beja”, vereador “Luiz do Posto”, vereador “Carlinhos da Marmoraria”, todos exercitando mandato parlamentar em São Gonçalo por conta de votos obtidos em regiões conturbadas. Mortos a tiros, seus executores jamais foram alcançados pela justiça. Os dois últimos se elegeram em bairros que já acolheram um grupo de extermínio com significativo epíteto: “Turma do Cerol”. Pasmem os leitores, esse grupo formado por militares, civis, ex-policiais, policiais e outros agentes da lei e da ordem lançou até candidato com seu nome de pia acrescido do “Cerol”. À guisa de ilustração (o nome de pia é fictício), imaginem um candidato com o nome parlamentar assim: “João Cerol”. Exagero?... 

Não, não exagero, já aconteceu em São Gonçalo!... E bastam os três exemplos acima, reais, para sustentar que muitos crimes políticos guardam relação com esses grupos paramilitares, e se enganam os que pensam existirem apenas em comunidades carentes (favelas). Existem também no asfalto, e seus tentáculos são impressionantes, assustadores, de tal maneira que até dá medo denunciá-los mesmo sem citar nomes. Entretanto, não é necessário fazê-lo, a população de cada local onde esses grupos atuam sabe quem é cada um, pois eles cobram ágios e pedágios semanais ou mensais, tal como fazia a máfia norte-americana nos tempos de Al Capone. 

Daí, sem embargo, ser compreensível o TRE requisitar para as eleições no RJ o reforço de tropas federais. Porém, o policiamento ostensivo nas eleições funciona apenas como o glacê de um bolo que desde muito está apodrecido. Porque é certo que os votos vêm de longa data encabrestados e serão despejados nas urnas segundo a vontade desses grupos que em períodos eleitorais podem até tirar férias, as cartas estão adrede marcadas. Tal controle do voto favelado pelo Poder Marginal pode e deve ser estendido aos traficantes, que, tais como as milícias particulares, mandam e desmandam nos eleitores pelo terror das armas (não podemos nos esquecer de sempre adjetivar as milícias particulares, para não generalizar como criminosas as milícias públicas e os Anjos de Deus). 

Na verdade, a lei em comento foi sancionada com atraso, pois levará tempo para o Estado pô-la funcionando em plenitude, o que demandará, ainda, vontade política. E muita coragem, não apenas para vencer as milícias particulares, mas para se arriscar o político a perder muitos votos em eleições seguintes. Aplicar a lei durante o período em que o eleitor só pode ser preso em flagrante delito de crime inafiançável é igualmente difícil, senão impossível, salvo nos casos aberrantes que decerto ocorrerão, mas sem afetar o todo do problema. Demais disso, sabemos que com ou sem a supracitada lei os crimes de sangue acontecerão, pois quem decide matar um desafeto político pensa sempre que sairá impune da empreitada, sem falar no caso em que ambos os contendores são “iguais perante o crime”: as disputas entre facções de traficantes ou de milícias particulares são inegáveis. 

Enfim, – e embora aplaudindo o reforço das Forças Armadas para eventualmente garantir a tranquilidade e a paz durante o pleito, – devemos reconhecer que a lei sancionada e o reforço militar mui pouco significam ante a permanência das milícias particulares e das facções do tráfico em comunidades indefesas no seu cotidiano que recomeçará no dia seguinte às eleições: eis a dura realidade. Cá entre nós, torçamos para que os resultados eleitorais não contrariem os “donos do poder”, estes que nada mais são que reedição aprimorada para pior dos antigos “donos do morro” cantados em prosa e verso por uma sociedade que insiste em ser autista... 

2) Comentário ao artigo do promotor de justiça

Esclarecedor, sem dúvida, o que mais me aguçou a atenção foi a salutar cautela do promotor de justiça ao pôr entre aspas o vocábulo "milícia", assim diferenciando-o do original (sem aspas), o que a lei em comento também o fez ao acrescer os adjetivos "particular" e "privada" no vocábulo "milícia", que encerra diversas denotações e conotações dicionarizadas. Mas o promotor de justiça, com o aval de sua sapiência jurídica e escorado na sua vivência, foi além e desbarrancou o objeto da lei que, em vez de proporcionar ao Estado meios para aumentar o rigor na penalização desses infratores - antes alcançados sem especificidade por vários artigos do Código Penal e leis conexas -, agora foram singularizados em reducionismo cujo efeito foi como um tiro pela culatra. Infelizmente, as leis pátrias são feitas ao sabor de oba-oba e costumam passar ao largo de avaliações técnicas. Seguem, em contrário, uma tendência  jornalística leiga e sensacionalista. Daí o entrave legal imprevisto (ou terá sido maliciosamente previsto?). Com a palavra o leitor...

3 comentários:

Anônimo disse...

De acordo com a CF/88 e o DIEESE, um Soldado PM/BM deve ganhar, no mínimo, R$ 2.616,41 mensais (valor líquido).

Segundo o DIEESE, o Salário Mínimo Necessário, capaz de atender às necessidades vitais básicas, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte (valor suficiente para a manutenção de um trabalhador, de acordo com o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal) foi estimado em R$ 2.616,41 (dois mil, seiscentos e dezesseis reais e quarenta e um centavos) no mês de Setembro de 2012.

Link do DIEESE: http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminMenu09-05.xml

Anônimo disse...

D I G N I D A D E

Ao analisarmos a Constituição Brasileira de 1988, percebemos que os Policiais Militares do Estado do Rio de Janeiro não recebem um salário digno. No Brasil, é preciso melhorar a distribuição de renda, corrigir o histórico problema das distorções sociais.

O Salário Mínimo Necessário, divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (http://www.dieese.org.br), capaz de atender às necessidades vitais básicas (moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte), de acordo com o artigo 7º, inciso IV, da Carta Magna de 1988, em Setembro de 2012 correspondeu a R$ 2.616,41 (dois mil, seiscentos e dezesseis reais e quarenta e um centavos). O piso salarial deve ser reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo dos Militares Estaduais. Portanto, o menor vencimento dos PMs e BMs deveria ser de, no mínimo, R$ 2.616,41 (líquido) sem as gratificações!

UM ESTADO QUE PRETENDE SEDIAR MEGAEVENTOS ESPORTIVOS COMO COPA DO MUNDO E OLIMPÍADAS NÃO PODE PAGAR MENOS DO QUE O MÍNIMO AOS SERVIDORES ESSENCIAIS. PAGAR UM SALÁRIO DIGNO É FUNDAMENTAL!

Anônimo disse...

Os anônimos acima têm toda razão, porém a CF vai mais além quando diz que todo cidadão brasileiro tem direito à saúde, educação e habitação. Se o cidadão tem direito, é dever do estado fazer cumprir esse direito e o que vemos é um péssimo serviço de saúde, péssimo ensino público e as favelas proliferam da noite para o dia, portanto está tudo errado. Sobre o tema do texto, milícia, ela é o reflexo dos baixos salários (do policial e do trabalhador comum) e ausência do estado.