quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sobre o castigo-espetáculo





“Hoje de manhã um capitão apresentou denúncia de que este homem, que foi designado seu ordenança e dorme diante de sua porta, dormiu durante o serviço. Na realidade, ele tem o dever de se levantar a cada hora que soa e bater continência diante da porta do capitão...” (Kafka, Franz – Na Colônia Penal)





Desde muito tempo a humanidade se esforça para sepultar o “castigo-espetáculo” consagrador do poder absoluto de reis, príncipes e demais ditadores e mandatários religiosos de um passado que insiste em se projetar ao presente em alguns pontos do mundo. A isto se dá o nome de “poder sobre o corpo”: opressão estatal em liturgia punitiva assentada no suplício do condenado até levá-lo à morte, com o carrasco às vezes dilacerando-o em vida, de modo que ninguém ouse contestar o poder a pairar além da vida e da morte de plebeus e/ou gentios.
Eis a glória do carrasco oculta em sua máscara! Eis o matador indispensável ao “castigo-espetáculo”, até sair de cena para dar lugar a outro insano homicida, círculo vicioso que alcança os dias de hoje, com os “castigos-espetáculos” ainda atendendo às necessidades de manutenção do poder do rei do tráfico impondo-se aos seus delirantes espectadores-eleitores: “Rei, rei, rei, o trafica é nosso rei!”
É verdade que muitos condenados preferiam sucumbir em honra nas mãos sanguissedentas de carrascos. Como exemplo, basta citar São Thomas Morus, que, por suas convicções, ofereceu o pescoço ao seu rei e ao carrasco. Ficou, porém, na história, e é certo que ninguém será capaz de identificar aquele que, em gesto mecânico, fez prevalecer o poder supremo do rei no corte rápido da adaga que lhe separou a santa cabeça do corpo. Mas o fim de todo carrasco, de ontem e de hoje, foi e será o do esquecimento inglório, e quiçá ele ganhará o inferno. Inferno? Hum... Existe?...
Monarquia, República, Democracia, Estado Democrático de Direito... Nada mudou na cultura do terror que separa o povo do seu rei: um terror sintetizado no carrasco. E não são poucos os carrascos que cortaram o pescoço do seu próprio rei ou sucumbiram em “aparelhos kafkianos” (1) que eles mesmos inventaram.
É o que se espera ocorrer com todo carrasco, ser abominável que mata quem não pode se defender. O carrasco jamais enfrentaria alguém em combate justo. Ah, e os carrascos de hoje, sacripantas “salvadores da pátria” a serviço do “rei” hodierno? Festejam, viajam em mordomias estatais ilimitadas enquanto os soldados morrem em combates desiguais. Ora, isto não importa! Afinal, soldado não tem nome. Tem número, tanto ontem como hoje. É rebanho...
Hoje os carrascos são bandidos portando fuzis de última geração. Matam policiais de surpresa, dilacerando seus corpos como nos tempos das tenazes arrebentando as carnes dos supliciados. As balas de fuzil são tenazes que oferecem à sociedade os corpos fardados de chefes de família transformados em massa sangrenta. Morrem na calada da noite, postados em patíbulos (vias públicas) à espera conformada do tiro fatal.
Eis o “castigo-espetáculo” que vem ocorrendo com PMs, porém com uma diferença: seus corpos dilacerados não são expostos aos espectadores. Só os companheiros de farda e seus familiares os veem destroçados, para gáudio daqueles que, em insanidade festiva, afirmam que “a farda do PM é o menor presídio do mundo: só cabe um ladrão!”
Ah, como seria bom se pudéssemos contar as “fardas-presídios”, os “caixões-presídios” e as “fardas despidas” por exclusões disciplinares, para vermos quais se nos apresentam em maior quantidade, incluindo-se na contagem os que perderam parte do corpo defendendo a sociedade: as “fardas paraplégicas e tetraplégicas”!...
Não!... Isto não interessa! Os reis e príncipes de hoje só querem saber de execrar os militares estaduais em espetáculo público, generalizando as faltas de poucos e agindo como se toda a sociedade fosse feita de santos, incluindo-se muitos “reis” e “príncipes” detentores de um poder que pretendem tornar eterno à custa do sacrifício alheio. Então...
Vivas e vivas aos hodiernos carrascos de seus próprios camaradas! Idiotas! Serão ingloriosamente lembrados ou definitivamente esquecidos. Tem sido assim, e assim sempre o será com carrascos, embora o poder do rei sobreviva aos tempos, travestido no poder político dos votos comprados e do clientelismo premeditado!... O resto é povo inútil, e dele faz parte o rebanho PM supliciado pela miséria de seus ganhos e por um estúpido militarismo com seus regulamentos disciplinares mais carcomidos que o Malleus Maleficarum (2)!




(1) Kafka, Franz, NA COLÔNIA PENAL, Ed. Paz e Terra, São Paulo – SP, 1996.


(2) O Malleus Maleficarum (“Martelo das Feiticeiras”) foi compilado e escrito por dois inquisidores dominicanos,
Heinrich Kraemer e James Sprenger. Esse manual de caça às bruxas data de 1487.

2 comentários:

Rose Mary Motta Prado disse...

Fantástico o seu post!Essa dura realidade chegou a me cauar enjôos!!!
O oposto de fé não é nenhuma heresia, é a indiferença, o oposto da vida não é a morte, é a indiferença.Indiferença é a estupidez elevada à infinita potência. E ela mata!

Anônimo disse...

TERCEIRA MARCHA DEMOCRÁTICA PEC 300/2008 - COMISSÃO COMUNICA DATA - 25 DE OUTUBRO.
A comissão organizadora das Marchas Democráticas em Defesa da Aprovação da PEC 300/2008 comunicou que a Terceira Marcha do Rio de Janeiro será realizada no dia 25 de outubro de 2009 (domingo), às 10:00 horas, em Copacabana, no trecho entre o Posto 6 e o Posto 2.
Temos a obrigação de colaborar com a comissão e participar desse ato em defesa da nossa cidadania, na busca por salários dignos, no caso a equiparação com os Policiais Militares e os Bombeiros do Distrito Federal.
Obviamente, não podemos restringir a nossa luta às marchas, temos que realizar vários atos para fortalecer e dar a maior visibilidade possível a esse esforço, inclusive desenvolvendo atos simultâneos em todo o Rio de Janeiro.